Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A notícia local na lógica da descentralização do jornalismo

A era da concentração da imprensa em um pequeno número de megaempresas está chegando ao fim, apesar da resistência e aparente invulnerabilidade dos grandes conglomerados midiáticos contemporâneos. Pode parecer um desejo ou um wishful thinking, como dizem os anglo-saxões, mas não é porque se trata de um novo processo econômico diante do qual o marketing e a propaganda podem retardar – mas não anular – o desdobramento dos fatos.

O chamado quarto poder se tornou influente politicamente e forte economicamente porque a tecnologia mecanizada indispensável à impressão de jornais, livros, revistas e à instalação de emissoras de rádio e televisão exigia investimentos milionários e a centralização industrial para viabilizar uma produção em massa para baixar o custo marginal e garantir lucros crescentes. Num contexto como este era previsível a formação de grandes conglomerados, centralizados, hierarquizados e burocratizados. 

Organizações desse tipo inevitavelmente tinham que produzir informações generalistas porque um mesmo veículo precisava atender a públicos muito diferenciados, cultural e geograficamente. Em paralelo, a publicidade veiculada pela imprensa precisava criar mercados consumidores globalizados para gerar clientelas fiéis.

Com a chegada da era da digitalização, a espinha dorsal do modelo concentrador foi golpeada porque surgiram tecnologias baratas de produção, edição e difusão de conteúdos jornalísticos, o que viabilizou o aparecimento de milhares de microempresas e projetos individuais de produção de notícias e reportagens. O baixo custo facilitou o surgimento de iniciativas voltadas para públicos com interesses e necessidades específicas, ou seja, o caminho inverso ao da globalização informativa. O campo onde a segmentação noticiosa mais cresceu foi o do interesse por nichos informativos, criados em torno a espaços sociais físicos e virtuais, porque as pessoas finalmente conseguiram superar as limitações tecnológicas que as impediam de publicar o que sabiam.

Visto por esta ótica, o jornalismo praticado em comunidades está longe de ser um modismo ou uma excentricidade de recém-formados ou profissionais desempregados. Ele responde à lógica de um novo modelo de produção de notícias já não mais determinado apenas pelo mercado consumidor, mas também pela produção de conhecimento necessário para viabilizar a sobrevivência de comunidades sociais.

A produção de notícias locais é uma área pouco valorizada pelo jornalismo desde que o processo concentrador ganhou força na imprensa, a partir de meados do século 19. São raros os casos de jornais comunitários que conseguiram relevância nacional no Brasil e até mesmo nos países ricos. O poder político e econômico da grande imprensa criou a falsa ideia de que para ser importante é preciso ser grande e poderoso. Por isso a maioria dos jornalistas ignora o que é produzir notícias para a população de uma pequena cidade.

O chamado jornalismo cidadão, praticado na maioria das vezes por amadores, começou a mostrar que existem temas capazes de aproximar profissionais e moradores criando uma simbiose informativa onde as fronteiras entre produtores e consumidores de informações vão se tornando cada vez mais tênues.

A notícia local ganha agora um novo significado porque ela passa a ser essencial para o desenvolvimento de comunidades sociais numa era de grandes transformações, na qual projetos econômicos podem mudar rapidamente diante do frenesi das inovações tecnológicas. E se as pessoas não dispuserem de notícias que as permitam tomar decisões rápidas e coletivas, o seu bem-estar futuro poderá estar em risco. Sem noticiário jornalístico local fica muito mais difícil desenvolver o que os economistas chamam de capital social, ou seja, o conjunto dos conhecimentos acumulados por uma comunidade e que se reflete na capacidade coletiva de encontrar soluções sociais e econômicas em beneficio de todos. Não é por acaso que as regiões mais desenvolvidas são também as que apresentam maiores índices de capital social.

Na era digital, o jornalismo local tende a ocupar muito mais espaço e relevância informativa dentro do conjunto da imprensa, porque os grandes conglomerados, além de sofrerem os efeitos da crise de transição do modelo analógico para o digital, já se deram conta de sua incapacidade material de atender à crescente diversificação das necessidades informativas da população, movida pelo crescimento da internet.

A lógica da notícia local torna-se cada vez mais nítida para quem acompanha a evolução do jornalismo na era digital, mas isso não quer dizer que o sucesso está garantido para quem apostar nesta alternativa. O cemitério de experiências de jornalismo local em países como os Estados Unidos mostra que a taxa de mortalidade prematura no ramo é altíssima porque se trata de um espaço inexplorado onde, no início, os erros são mais frequentes do que os acertos, como acontece em qualquer tipo de aprendizado.

O sintoma mais evidente de que não se trata de um modismo é que, apesar dos inúmeros fracassos, o surgimento de novas experiências é cada vez mais intenso. Reflexo disto é o crescimento da literatura sobre jornalismo praticado em comunidades. A livraria virtual Amazon tem atualmente em oferta 40 livros em inglês publicados nos últimos quatro anos nos Estados Unidos, Europa e Austrália sobre noticiário local. Outros cinco devem ser lançados nos próximos três meses.