Começou com a lei da tolerância zero ao álcool sobre rodas. E disparou com a Operação Satiagraha.
É o debate sobre o direito individual e o interesse público no Brasil.
Está na imprensa, na internet e – muito – nas conversas.
Em nome do interesse público, dizem os críticos, impôs-se aos motoristas uma proibição draconiana, quando o Código de Trânsito Brasileiro já fixava limites razoáveis ao consumo de bebidas. Não é porque a norma não era cumprida que se precisava de outra. Com a agravante de praticamente forçar o cidadão a depôr contra si, o que a Constituição veda: quem recusar o teste do bafômetro vai para a delegacia.
Respondem os médicos: a lei mudou para melhor porque álcool é absolutamente incompatível com direção segura. E a prova de que melhorou – ou seja, de que o interesse público foi beneficiado – foi a grande redução do número de vítimas de acidentes de trânsito nos fins de semana desde que a lei seca entrou em vigor.
É fogo de palha, replicam os outros. Com o tempo, a fiscalização vai diminuir – e tudo vai acabar de novo em chope.
Não vai, não, é a tréplica. Milhares e milhares de motoristas estão aprendendo que podem curtir a noite, deixando o carro na garagem. A grande maioria deles já percebe que estão até no lucro – um estresse a menos.
Segundo lance. Em nome do interesse público – no caso, a repressão aos crimes de colarinho branco, que sangram o erário – apontam os liberais, a Polícia Federal, procuradores e juízes pintam e bordam, esquecidos de que, nas sociedades livres, mesmo os acusados dos piores delitos têm direitos assegurados: o de não ser humilhados pela presença da mídia no momento da captura; o de não ser manietados se aceitarem pacificamente a prisão; e o de recorrer a tantas instâncias judiciais quantas possíveis, e tantas vezes quantas necessárias, para recuperar a liberdade.
Os advogados do interesse público invocam o argumento da hipocrisia: os liberais não protestam quando pobre, preto, favelado vai em cana, com a delicadeza costumeira dos policiais, e nem sequer têm acesso a bons advogados para ir até o Supremo com o pedido de habeas-corpus.
E se é verdade que mais vale um culpado impune do que um inocente castigado, é verdade também que o que fica do esforço agora consistente de ir atrás dos ladrões de casaca não é a pirotecnia policial – que pode ser curada sem grandes problemas –, mas o enraizado senso impunidade dos tubarões – que a muito custo começa a ser desafiado, com os inquéritos e processos por crimes financeiros e fiscais.
Isso está longe de esgotar a discussão, nem era o que se pretendia aqui. A notícia – a grande notícia – é a discussão em si mesma, que transborda por toda parte. Já não era sem tempo.
Esse é um avanço a que a imprensa precisa se associar mais vigorosamente, e não só se abrindo ao mérito das controvérsias. A mídia parece que ainda não se deu conta de que “o desejo sufocante da sociedade por justiça real, ética e igualdade” (Eliane Cantanhêde, na Folha de hoje) muda intensamente a agenda do debate público nacional.
Como isso vem acontecendo é matéria que está quicando na boca do gol à espera de um finalizador.