Boa sacada da Folha com a matéria “Direita, volver!’, de Marcos Augusto Gonçalves e Rafael Cariello, na Ilustrada de hoje.
A reportagem trata da crescente presença na mídia de representantes do que o texto chama “nova direita”.
Os personagens citados e ouvidos são Diogo Mainardi, na Veja, Reinaldo Azevedo, no Primeira Leitura, Nelson Ascher, na própria Folha, e Denis Lerrer Rosenfield, no Estado.
A posição da matéria é a seguinte:
“Antes `oprimida´ pela hegemonia cultural da esquerda – vigente no país pelo menos desde a década de 60 – a nova direita foi crescendo em desembaraço e afetação à medida que a esquerda, golpeada por crises, enfiava o rabo entre as pernas e se via representada por figuras duvidosas, como as do PT, anacrônicas, como Fidel Castro, ou patéticas, como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez (é preciso reconhecer que o material é estimulante).”
Descontadas a pouca isenção, o diagnóstico sumário e os adjetivos rombudos, o texto omite que a hegemonia cultural da esquerda praticamente deixou de existir no Brasil sob o tacão do Ato 5, quando imperavam figuras teratológicas como Gustavo Corção e Lenildo Tabosa Pessoa, sem falar no genial reacionário Nelson Rodrigues.
Antes dessa idade da treva, a tal da hegemonia esquerdista resultava em não pouca medida da existência de uma ampla variedade de importantes canais acessíveis de expressão política e cultural, como os jornais Última Hora, Correio da Manhã, Pasquim, Opinião, o caderno B do Jornal do Brasil, as revistas Senhor e Civilização Brasileira.
No mundo contemporâneo, em qualquer lugar, hegemonia é também – e muito – possibilidade de estar presente na mídia.
O que me leva à falha estrutural do “Direita, volver!”:
O fato de que em nenhum momento a reportagem encara a questão do espaço que a esquerda veio perdendo na grande mídia brasileira, por decisão de seus editores ou donos.
Já comentei aqui o caso extremo do Estado, onde, com raríssimas exceções, os artigos de opinião praticamente se confundem com os editoriais do jornal. A mesmice é confrangedora.
Pode-se argumentar que a Folha e o Globo, nesta ordem, abrigam razoável diversidade de idéias nos artigos assinados de colaboradores.
No Globo, por exemplo, o citado Reinaldo Azevedo faz das suas na mesma página em que escrevem Zuenir Ventura e Luis Fernando Verisssimo.
Mas o primeiro é da pesada, e os outros não.
Onde um Reinaldo de esquerda mordedora? Ou, valha-me o deus em quem não acredito, um Mainardi do avesso? Ou ainda um Rosenfield do PSOL?
Todos eles são doutrinários e escrevem textos de guerra na selva. Aparecem uma vez por semana nos órgãos que os publicam. Cadê, com a mesma frequência e o mesmo espaço, os seus opostos?
Não, não gostaria de ver os espaços abertos dos principais jornais brasileiros transformados em ringues enlameados para os contendores tentarem arrancar os olhos uns dos outros – resultado previsível do choque da direita raivosa com a esquerda idem.
Mas a realidade inescapável é que pela contundência dos seus textos e pela falta de um contraditório à altura, a direita brava tem mais chance de impactar a opinião pública, mesmo quando não detenha virtualmente o monopólio da palavra, como no Estado. Basta os seus porta-vozes serem lidos regularmente em órgãos de grande circulação.
Sem falar na ausência de um Jabor canhoto na Rede Globo.
Há uma crise do pensamento de esquerda? Há. Há decepções com líderes percebidos como esquerdistas? Há. E isso fez com que muito direitista deixasse de se fingir de liberal e saísse do armário? Fez. Tem razão de ser, portanto, a matéria da Folha? Tem.
Mas esquecer do papel das escolhas editoriais da mídia quando se discute o que acontece no mercado de idéias é fazer reportagem-biquini. A que mostra tudo, menos o essencial.
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