Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A ‘ola’ Marina e a cobertura da imprensa

A onda Marina surgiu como as olas tradicionais em estádios de futebol. Ninguém sabe quem começou tudo, mas o certo é que ela assumiu logo a proporção de um tsunami ao catapultar a candidata socialista dos 9% aos 34%  29% das intenções de voto, segundo o Ibope. A única explicação possível para um desempenho tão espetacular é uma identificação espontânea dos eleitores desiludidos, especialmente os mais jovens, com a enigmática Marina Silva.

Foi o suficiente para os três maiores jornais do país (Folha de S.PauloEstado de S.Paulo e O Globo) mudarem de estratégia assumindo os receios temores da elite política do país, temerosa de que a ola Marina sinalizasse uma perda de controle sobre o processo eleitoral graças à participação não estruturada de grupos jovens, muitos dos quais se identificam com as manifestações de rua de junho do ano passado.

A imprensa adotou uma posição sutilmente crítica a Marina insistindo na questão da controvertida posse do avião que matou Eduardo Campos e na igualmente discreta referência às contradições da plataforma e das alianças partidárias por trás da candidatura socialista. É o método de plantar dúvidas para colher posicionamentos, estratégia que deu resultados com a campanha do pessimismo para colocar Dilma Rousseff na defensiva.

A imprensa não ataca diretamente porque isso violaria a imagem de independência e isenção na campanha eleitoral, que serve de escudo contra acusações de subordinação a alguma das candidaturas. Mas semeia suposições, insinuações, informações sem contexto definido, denúncias vagas e, com isso, vai sedimentando uma desconfiança difusa que impregna o modelo mental dos eleitores na definição de voto.

Por mais que a propaganda eleitoral seja regulamentada e regulada nos mínimos detalhes, ela não consegue atingir os meandros do complexo processo de captação dos insumos informativos que alimenta a formação do que os psicólogos chamam de mapa mental, o conjunto de informações arquivadas na memória de curto prazo do indivíduo e que servem de base para a tomada de decisões.

É difícil, quase impossível, parar uma ola, porque ela é alimentada por predisposições muitas vezes ignoradas pelos próprios participantes. Parar uma ola num estádio de futebol equivale a ser antipatizado e hostilizado imediatamente pelos demais torcedores. No caso Marina, vale a mesma regra e a estratégia é plantar dúvidas e incertezas, como vem fazendo a grande imprensa, ao insinuar que as ondas passam e que muita coisa ainda vai acontecer até o dia das eleições.

ola Marina pode não aguentar até o dia 5 de outubro, assim como as manifestações de junho do ano passado não chegaram até a Copa do Mundo com o vigor mostrado nas ruas de São Paulo, Rio, Brasília e outras cidades brasileiras. Mas o fato de ser não estruturada, pois até os adeptos de Marina foram surpreendidos pela disparada nas pesquisas, mostra que há muitas outras razões por trás do fenômeno.

O enigma Marina desafia a imprensa da mesma forma que os jornais e as emissoras de televisão foram apanhados de surpresa nos protestos, há um ano. É que a nossa mídia está de tal forma condicionada pelo pensamento da elite política do país que tem dificuldade em interpretar fenômenos que fogem às regras tradicionais de comportamento eleitoral.

A massa difusa de desiludidos políticos que alimentava o voto nulo ou branco e a abstenção parece agora se materializar na ola em torno da frágil figura da ex-senadora acreana. Politicamente é um fenômeno relevante, porque um alto percentual de votos nulos e brancos sinaliza um protesto marginal, mas o crescimento da simpatia popular por Marina traz a incerteza e a insegurança para dentro do sistema.

ola Marina é um processo independente da candidatura e não necessariamente tem os mesmos objetivos. É bem provável que ocorra um divórcio, em algum momento, antes ou depois das eleições, porque a dinâmica dos desiludidos e indignados é bem diferente da dos militantes partidários da coligação liderada pelo Partido Socialista. A ola é ao mesmo tempo a grande força e a principal debilidade da candidata Marina Silva.