No de outro modo excelente levantamento sobre a religiosidade brasileira, que rendeu um suculento caderno especial de 10 páginas na Folha de S.Paulo de domingo (6/5), o Datafolha, instituto de pesquisas do mesmo grupo empresarial, errou a mão num quesito da maior importância – por tratar da jamais abordada questão dos estereótipos religiosos no país [pelo menos em sondagens para divulgação na mídia].
O Datafolha perguntou aos entrevistados se concordavam ou não com cinco afirmações preconceituosas sobre grupos religiosos. Eis quatro das perguntas com as respectivas respostas:
1. ‘Umbanda é coisa do demônio’ [57% sim, 27% não, 16% nem sim, nem não ou não sabe. O sim chegou a 83% entre os pentecostais.]
2. ‘Os católicos não praticam a sua religião’ [61% sim, 28% não, 11% nem sim, nem não ou não sabe. O sim chegou a 65% entre os pentecostais.]
3. ‘Os evangélicos são enganados por seus pastores’ [61% sim, 26% não, 13% nem sim, nem não ou não sabe. O sim chegou a 37% entre os pentecostais.]
4. ‘Os muçulmanos defendem o terrorismo’ [49% sim, 27% não, 24% nem sim, nem não ou não sabe. O sim chegou a 40% entre os pentecostais.]
Agora, a quinta pergunta:
‘Os judeus só pensam em dinheiro’ [49% sim, 29% não, 23% nem sim, nem não ou não sabe. O sim chegou a 50% entre os católicos.]
Acho que todo mundo conhece aqueles quesitos nos testes de inteligência que apresentam uma série de figuras, frases, palavras ou seqüências numéricas para a pessoa identificar, caso a caso, qual a imagem, conceito ou cifra que destoa dos demais em cada conjunto.
Fazendo o mesmo com as perguntas escolhidas pelo Datafolha para avaliar a força – e haja força – dos estereótipos religiosos entre os brasileiros, salta aos olhos que a indagação que deixei de propósito para o fim não é coerente com as outras.
Umbanda ser ou não coisa do demônio, católicos praticarem ou não a sua religião, evangélicos serem enganados ou não por seus pastores, até mesmo muçulmanos defenderem o terrorismo são questões que dizem respeito primariamente às convicções, práticas e relações no âmbito fechado das quatro religiões escolhidas – à sua vida interior por assim dizer – ou aos atos dos seus fiéis no mundo secular que eles justificam por suas crenças religiosas.
O caso dos muçulmanos é limítrofe, sem dúvida. Mas considerando o componente religioso, dominante e ostensivo, do chamado terrorismo islâmico, a pergunta cabe no mesmo barco das outras.
Mas a alegação de que os judeus ‘só pensam em dinheiro’ é um estereótipo ou preconceito que nada tem a ver com a natureza da religião, com os hábitos religiosos dos estereotipados, ou com os atos que possam praticar, ou ter praticado, em nome de sua fé.
A afirmação é um preconceito contra um grupo humano, não contra uma religião, nem contra os costumes religiosos desse grupo. Atinge judeus praticantes, judeus seculares e até mesmo ateus que se identificam com o judaísmo, noves fora Jeová.
Equivale a perguntar se o entrevistado concorda ou discorda da afirmação de que os negros não gostam de trabalhar. O preconceito não distingue entre negros dessa, daquela ou de nenhuma religião.
Embora a pergunta destoante daquele trecho do questionário tenha servido para se saber que metade dos brasileiros consideram os judeus argentários – a pecha número um do anti-semitismo laico, de origem medieval, como aliás a Folha lembra apropriadamente – no estrito contexto dos estereótipos de base religiosa, a pergunta adequada deveria ser esta:
‘Concorda ou discorda da afirmação de que os judeus foram os responsáveis pela morte de Jesus?’
Salvo engano, nunca uma pesquisa fez essa pergunta aos brasileiros. Seria interessante conhecer os resultados – até porque se pode responder sim a isso e não ao estereótipo relacionado a dinheiro, ou vice-versa.
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