Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A PF não sabia, a Abin não fez

No filme “Melinda e Melinda”, de Woody Allen, o homem diz para a mulher: “Acho que está faltando comunicação entre a gente”. E ela responde: “Ah, não quero falar disso agora.”


A Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também não querem falar mais da “falta de comunicação” entre eles, e, a julgar pelos jornais de hoje, a imprensa tende a conformar-se com a Operação Panos Quentes iniciada pelas duas repartições, numa federal falta de consideração pela inteligência do leitor.


Tudo começou com o que podia parecer uma temeridade: a manchete do Estadão de ontem, “PF prende 4 do caso dos Correios e investigará Abin”, seguida do sub “Polícia Federal descobriu que integrantes da agência atuam a serviço de corruptos”.


Dentro, o repórter Vannildo Mendes informa que, indo à origem do vídeo que detonou a crise da corrupção – no curso da Operação Deus nos Acuda (sem brincadeira) – a PF descobriu que a Abin, sucessora do SNI, “teria uma banda podre, atuando a serviço de grupos criminosos especializados em lesar o patrimônio público, fraudar licitações em estatais e chantagear políticos e autoridades com informações comprometedoras”.


Os quatro presos pela PF, cravou o repórter “pertencem à comunidade de informações e, conforme apurou a PF, mantinham com membros da Abin relação de troca de serviços”. Um deles, José Santos Fortuna Neves, “até hoje exerce forte influência sobre parte corrompida da instituição” – cuja existência, portanto, é dada de barato.


Mais depressa do que um incauto levaria para gritar “CPI neles”, a Abin soltou uma nota que deixa a PF com cara de Inspetor Clouzot: os federais simplesmente não teriam ligado o nome à pssoa, como se diz em Carcavelos, por causa de “uma falha de comunicação”.


A agência tinha infiltrado um espia entre os fornecedores dos Correios, para seguir a trilha do dinheiro – fazendo o que, 33 anos antes, o Garganta Pergunta aconselhou o repórter Bob Woodward a fazer, dando no que deu.


[Acabo de ler na edição online do New York Times,  no antológico artigo do colunista Frank Rich a sair no jornal de amanhã sobre o Deep Throat ontem e hoje, que a frase ‘siga o dinheiro’ nunca saiu da garganta de W. Mark Felt. Foi uma invenção do roteirista do filme ‘Todos os homens do presidente’, William Goldman. Nunca é tarde para aprender – e para se desculpar. (22h00 de 11/6).]


E a PF, vejam só, pensou que o secreta era parte da quadrilha. Assim, foi a última a saber da identidade secreta do zeloso bisbilhoteiro. Como aparecia nas velhas histórias em quadrinhos, tsk, tsk, tsk.


Em que fria entrou o repórter do Estado, pois não? Não tão depressa, por favor.


Uma bela amizade


Porque na mais ampla matéria de hoje sobre o rolo, de Rodrigo Rangel, do Globo, se lê que o agente infilltrado, codinome Langer, “remanescente do SNI”, era amigo de um dos membros da gangue dos quatro, justamente José Santos Fortuna Neves, aquele que segundo o Estado influi na dita banda pobre. Quando começou o entrismo, a Abin não diz.


Fazendo do limão uma limonada, a agência tentou não se dar por achada. O fato de Langer ter a boa fortuna de ser amigo do Zé Santos, plantou, “teria facilitado a obtenção das informações e da própria fita” (aquela da Veja).


Que va, como dizem os espanhóis. Afinal, todo mundo é inocente etc etc. Mas tem um porém.


No Globo, o superior imediato de Langer diz que o primeiro relatório da agência sobre o caso bateu no Planalto no dia 20 de maio, “quase uma semana após o escândalo ter vindo a público” (em 14 de maio). O video teria sido gravado entre 13 e 14 de abril.


Só que, no Estado, o mesmo repórter Vannildo Mendes informa hoje que já em 15 de abril a Abin encaminhou ao presidente dos Correios, João Henrique, demitido no rapa ordenado por Lula na terça-feira passada, um “relatório detalhado” sobre o esquema de corrupção em funcionamento há anos na estatal – e ele nada fez.


Pelo visto nem a Abin. Segundo a reportagem, citando altos funcionários do governo, a Abin deu prazo de 10 dias para que João Henrique demitisse Maurício Marinho (aquele que aparece enfurnando três maços de dinheiro no bolso esquerdo do paletó) e comunicasse à PF a ocorrência do crime.


Pausa para perplexidade. Desde quando a Abin, que responde ao titular do Gabinete da Segurança Institucional, general Jorge Félix, que por sua vez responde ao presidente da República, pode: 1) entregar relatórios a quem quer que seja, salvo ao general e salvo por sua ordem; 2) mandar o presidente de uma estatal, ou quem quer que seja, demitir alguém, com data marcada ainda por cima, e comunicar seja lá o que for à Polícia Federal, ou a qualquer outra repartição?


“Passado o prazo”, diz a matéria do Estado, “a agência continuou sem respostas, até que, no início de maio, a denúncia estourou em escândalo”.


Deixou de acontecer – por motivos com os quais não consigo atinar, nem com toda boa vontade do mundo – a única coisa que tinha de acontecer naquele 15 de abril: o doutor Mauro Marcelo de Lima e Silva, diretor-geral da Abiin, bater à porta do general Félix com o relatório incriminador debaixo do braço.


Informa o Globo que o Ministério Público Federal quer provas de que o araponga enrustido Langer estava em missão oficial. Não estará ofendendo se perguntar também à Abin por que fez o que não devia e não fez o que devia.

Lula lá é isso aí


Na quarta-feira o presidente chamou o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos e lhe deu 45 dias de prazo para produzir uma espécie de anteprojeto de reforma política. Pegou mal.


Primeiro, porque parecia diversionismo. Segundo, porque parecia que também ele entrou na onda de achar que reforma política cura tudo, de corrupção a unha encravada (embora Lula tivesse admitido que a tal reforma tinha virado uma “palavra mágica”). Terceiro, porque parecia que ele queria legislar no lugar dos legisladores. Quarto, porque parecia que política, para Lula, é caso de polícia. (A Polícia Federal responde ao ministro da Justiça.)


Que injustiça! Hoje, ao ser o único dos grandes jornais a noticiar que o governo arquivou a idéia, a Folha informa, citando um deputado que viajou ontem para o Rio no mesmo avião que o presidente, que “ele não sabia” que existe na Câmara, parado na Comissão de Constituição de Justiça, por falta de acordo entre os partidos, um projeto de reforma política já aprovado em comissão especial da Casa. Pano rápido.


O colunista Ancelmo Gois escreve no Globo que o presidente mandou ontem mensagem “por ocasião do 14º aniversário da Batalha do Riachuelo”, travada em 1865. Pano rapidíssimo.


O x da questão começa com z


Tão certo como 2 e 2 são 4, voltou à toda a reforma ministerial. Para as fontes de Ancelmo, teria grandes proporções, passaria pelo fechamento de quatro ministérios “decorativos” (tipo Pesca) e viria já – “segunda ou terça, quem sabe”.


Outra colunista global, Tereza Cruvinel, também informa que a reforma será acompanhada de “um significativo enxugamento do governo”. Mas, ela não está convencida de que é inexorável, muito menos para já. Fala em “quando e se ela ocorrer”, num texto que dá uma boa idéia dos prós e contras do remelexo.


Faltou, talvez, dizer o essencial: a reforma será tanto mais fácil ou tanto mais difícil quanto mais fácil ou mais difícil for para Lula chegar a um acordo com o ministro da reeleição Zé Dirceu sobre o seu futuro.


Na semana passada, no que parecia ser um auto-vazamento, a Folha deu que Dirceu tinha que havia chegado ao seu limite com o presidente que não o ouve. Que dirá agora, que Lula ficou todo ouvidos para – justo quem – Antonio Palocci. Em quem Dirceu bateu pesado numa longa divagação para uma seleta platéia lisboeta, anteontem.


No começo da semana, o Valor especulou que ele poderia seguir o caminho de José Serra no governo Fernando Henrique: acabar ministro da Saúde. Para o tucano, que fustigava o antecessor de Palocci, Pedro Malan, não menos do que Dirceu o sucessor, não foi um acabamento, mas um recomeço. Saiu como o melhor ministro da Saúde da história, disputou a presidência e se tornou prefeito de São Paulo (na terceira tentativa).


Mas, na Saúde, seja lá o que pudesse fazer para ser um segundo Serra, Dirceu ficaria menos tempo do que ele, porque teria de se desincompatibilizar em abril do ano que vem para se candidatar de novo à Câmara – e para assumir, desta vez em sentido literal, o comando da campanha de Lula (se é que essa é a sua intenção).


Soa mais plausível que ele deixe o Planalto para ser “o capitão do time” não mais da administração federal, mas da base governista no Congresso. Ocorre que, a julgar por seu humor nestes dias, batalhar pelo governo não parece estar no topo de sua agenda.


Os repórteres Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos informam no Globo de hoje que ele disse ontem, de volta das Ibérias, a um companheiro: “Não quero atrapalhar o governo. Mas tenho que defender meu mandato e o partido. O PT tem que ser priorizado.” Não atrapalhar o governo é o mínimo dos mínimos que se poderia esperar do arquiteto político da eleição de Lula.


Mas quem conversou com Dirceu nos últimos dias “ficou assustado” com o abatimento demonstrado por ele, revela a matéria “Dirceu tem dito que pretende deixar o governo”. O texto informa também que Lula não se fará de rogado: “não achará ruim caso Dirceu peça demissão”. A eventual saída, naturalmente, terá de ser negociada.


Engraçado, a propósito, o rodapé da coluna de Teresa Cruvinel, onde está escrito que Dirceu “volta a falar” que gostaria de ser embaixador em Washington. A colunista diz que o desejo “a poucos convence”. Agora, já pensaram como reagiria a direita hidrófoba da capital americana, acicatada pelos radicais anticastristas de Miami, tendo que respirar o mesmo ar que o amigão e admirador de Fidel? No mínimo vão dizer que o G2 cubano plantou um espião cinco-estrelas no coração diplomático da América.


Demitido pelo jornal


Não é segredo para ninguém que o Estadão morre de amores por Palocci. Já que é assim, por que o contraria?


Ontem, sob o título “Decidido: Meirelles vai ser mesmo substituído no BC por Portugal”, o jornal escreveu que a troca do presidente da Autoridade Monetária, investigado pelo Supremo, pelo secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, “poderá ocorrer nos próximos dias”. A fonte? “Versões sobre os desdobramentos da crise política”, seja lá o que isso quer dizer.


Hoje, o Estado publica, no alto de uma página, o desmentido de Palocci: as especulações sobre a mudança não têm respaldo na realidade – sem aspas. A Folha e o Globo citaram o ministro ipsis litteris. Ela: “Não há nada nesse sentido.” Ele: “O trabalho do presidente Henrique Meirelles é extremamente bom (sic) e correto e não há nada indicando o contrário, não há por que haver mudanças.”


Pode não querer dizer nada, mas o desmentido de Palocci se estendeu por 32 linhas no Globo, ocupou 27 na Folha – e se limitou a 18 no Estado.


Mas quer dizer muito que, abaixo da matéria em que Palocci diz não, o Estado apresente outra, de 72 linhas mais box, intitutlada, como quem diz sim, “Situação de Meirelles é insustentável e ele deve sair já, defende oposição”.


A propósito, a Folha voltou a pôr um título a brigar com o texto que se lhe segue. Texto: “Questionado se a crise na esfera política já contaminou a economia, o ministro respondeu: Eu penso que não. É lógico que… cria-se um clima de preocupação e tensão para o país, não apenas na área econômica”. Título: “Crise política afeta economia, diz Palocci”.

Promoção musical


A última dos jornais é plantar plantonistas debaixo da janela do apartamento do deputado Roberto Jefferson, de onde ele não sai desde domingo, com microfones e gravadores para, à falta de melhor, registrar as suas aulas de canto.


No dia seguinte, o pobre do leitor é premiado não só com o repertório da véspera do autointitulado ex-troglodita, mas com a transcrição das letras que se prestem a alusões sobre o seu destino e a crise que ele fez subir muitas oitavas.


Já que ontem ele entoou “My way”, de Frank Sinatra, a Folha fez a gracinha de informar que “Jefferson canta que o fim está próximo” (do verso “And now the end is near…”). Haja.


Dizia o Barão de Itararé que às vezes é bom ir ao médico, porque ele precisa viver. É bom comprar o remédio que receitou porque o farmacêutico precisa viver. E é bom jogá-lo fora porque você também precisa viver.


É necessário dar plantão no prédio do deputado. É necessário relatar o pouco que se sabe do que ele faz lá dentro. E é necessário também jogar fora o relato, quando se limita às cantorias jeffersonianas, porque o jornal precisa se dar o respeito e respeitar os leitores.


Os editores deveriam imitar os repórteres acantonados no prédio. Quando, tendo pedido uma entrevista com o deputado – logo em seguida àquela que deu à Folha – e ele mandou, no lugar, uma bandeja com uma garrafa de champanhe, devolveram o ofensivo regalo. A imprensa não pode se prestar ao papel de escada de Roberto Jefferson, transformando-o numa celebridade folclórica. Ignore-lhe o espetáculo, em vez de promovê-lo.


Jeito petista de agradecer


Depois os petistas se queixam de serem perseguidos. Primeiro, reagiram com um extemporâneo pedido de CPI da compra de votos para a emenda da reeleição de Fernando Henrique à decisão do PSDB – liderada pelo próprio FH – de pegar leve com o governo na sua pior crise. Ao contrário do PFL que já na primeira hora saiu falando em impeachment, os tucanos têm sido tão moderados, mas tão moderados, que um maldoso disse que a sigla deveria ser PSDC: Partido Sócio da Crise.

Depois, quando o moderadíssimo governador tucano de Minas, Aécio Neves, que têm um canal privado e desimpedido de comunicação com o presidente Lula, disse, na mesma linha do partido, que ele não podia ser comparado a Collor, recebeu o seguinte troco do líder do governo na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia (conforme a coluna Panorama Político, do Globo de hoje:

“Se uma pessoa diz “sua mãe não é dona de puteiro”, por que então botar o nome dela na frase?”