Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A quarta crise

Com rude esquematismo, mas de forma direta, a deputada Luciana Genro fez em três minutos, no plenário, uma síntese da crise. A sessão é presidida pelo vice-presidente da Câmara porque o presidente está sob acusação de corrupção. Denúncias de corrupção envolvem sobretudo o Executivo. A deputada condenou a decisão em favor dos deputados do PT (na qual pegaram carona deputados do PP também acusados de receber ‘mensalão’) tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, interessado, segundo Luciana, em ser candidato a vice-presidente da República em 2006.


A deputada mencionou, entre chavões, as “manipulações da mídia”. Mas não enxergou, ou não disse, o quanto toda essa crise tem a ver com deficiências da mídia. O termo “manipulações” dá idéia de um complô que não existe.


Nenhum dos oradores colocou a questão do quarto poder, os problemas da imprensa, problemas financeiros, de estrutura, de concepção de seu papel social, de competência, de falta de isenção jornalística, que são ingredientes inseparáveis da crise dos três poderes.


Roberto Jefferson fez ataques abertos ao Globo, que seria maleável aos desígnios do então todo-poderoso ministro José Dirceu, e às Organizações Globo, mas numa chave de conflito pessoal. Fez denúncias de sonegação de impostos pelo jornal O Globo que precisam ser respondidas (*). Mas seu pronunciamento, nesse aspecto como em todos os outros, combinou verdades parciais com muita omissão.


A análise do caminho percorrido desde o início da crise do ‘mensalão’ até a sessão de hoje da Câmara dos Deputados mostra como será decisivo a mídia discutir suas deficiências e seus erros, sem repetir a atitude mafiosa que tanto se critica no chamado Campo Majoritário do PT, sem imitar a soberba e a alienação do presidente Lula em seus pronunciamentos, ou o autoritarismo arrogante sustentado até o minuto final pelo deputado Severino Cavalcanti.


Ficou evidente no discurso do deputado Jefferson que a mídia deu informações precárias, às vezes nulas, sobre a maior parte dos personagens do drama que se desenrola hoje no Congresso Nacional. Muita coisa depende da mídia. Ela poderá, por exemplo, ‘castigar’ os parlamentares que renunciaram aos mandatos para conservar o direito de concorrer em eleições vindouras simplesmente colando a seus nomes um carimbo do tipo ‘Valdemar Costa Neto, um dos que renunciaram ao mandato em 2005 para fugir a punições’. Estaria informando o público e ao mesmo tempo ‘fazendo política’ numa perspectiva de contribuição cívica.


A mídia precisa entender que toda a mudança reclamada pelo país envolve também uma renovação profunda dos métodos jornalísticos e da própria estrutura de gestão dos meios de comunicação. Chega ao fim uma era da imprensa brasileira.


(*) No Jornal Nacional, William Bonner respondeu: ‘Em seu discurso, o deputado Roberto Jefferson disse que o jornal O Globo deve 1,2 bilhão de reais ao INSS e que as Organizações Globo receberam 2,8 bilhões de reais do BNDES. São duas acusações inteiramente falsas, mentirosas’. Bonner citou nota oficial do BNDES negando que tenha havido empréstimo. Disse que O Globo não deve nada ao INSS. A menção a uma suposta influência do deputado José Dirceu junto à direção do O Globo não foi comentada. (20h50.)