Em plena crise provocada pelo ataque a hotéis de luxo em Mumbai, na Índia, um jornal britânico publicou uma notícia em que um casal de turistas acusava a rede de TV CNN de ajudar os terroristas ao identificar, em entrevistas por telefone, hóspedes estrangeiros escondidos nos quartos do Taj Mahal Palace Hotel.
A notícia foi divulgada por vários sites e jornais europeus antes de sumir, sem explicações, da página do Wales Online, reforçando os rumores de que era uma informação falsa. Confirmada ou não esta hipótese, o fato levanta, no entanto, questões que merecem ser debatidas porque influem na forma pela qual absorvemos informações.
O público, que hoje dispõem de ferramentas cada vez mais eficientes, baratas e de fácil manejo para recolher e divulgar notícias, passa a ter responsabilidades informativas para as quais a esmagadora maioria das pessoas não tem o preparo e conhecimento adequado.
Esta é uma situação absolutamente nova porque até agora as pessoas dependiam do filtro da imprensa para saber o que estava acontecendo, diante da impossibilidade material e financeira de participar na produção de informações. Estávamos acomodados em nossa posição de consumidores passivos e, com isso, pouco foi feito no sentido de desenvolver uma visão crítica.
Hoje a situação está mudando rapidamente e a chamada leitura crítica da imprensa passou a ser um elemento-chave para contextualizar as informações (causas, conseqüências, beneficiados e prejudicados), bem como identificar as que merecem ou não ser consideradas confiáveis.
Isso se aplica a todos os canais de informação, tanto os tradicionais como os surgidos no bojo do fenômeno das novas tecnologias (weblogs, Twitter, Orkut, fóruns, chats, páginas Web etc.). A leitura crítica tornou-se obrigatória por conta da avalancha informativa que despeja diariamente na internet uma quantidade tão grande de notícias que não há redação alguma no mundo capaz de verificar a credibilidade de todo o material publicado na Web.
O problema é que leitura crítica não cai do céu. É necessário cultivá-la, conhecê-la, transformá-la num hábito. A imprensa não mostrou até agora muito interesse em aguçar o sentido crítico dos seus leitores, ouvintes, espectadores e internautas. A universidade só a estuda do ponto de vista teórico.
Diante deste quadro, está sobrando para observatórios da imprensa como o nosso a responsabilidade de prestar esse serviço ao público e também à mídia. Trata-se de um desafio e tanto, porque não existe fórmula pronta e nem consenso sobre como proceder. A única coisa que sabemos é que a necessidade da leitura crítica é cada vez maior e mais urgente.
A posição cômoda de transferir para a imprensa a tarefa de zelar pela confiabilidade da informação já não é mais sustentável. A certificação de credibilidade deixa de ser uma tarefa de um grupo limitado de pessoas e instituições para tornar-se uma função compartilhada. Deixa de ser um veredicto ou decreto para ganhar características de um processo em contínuo desenvolvimento — ou de uma nova rotina de leitores, ouvintes, espectadores e internautas.
As tragédias da Índia e em Santa Catarina forneceram vários exemplos de irresponsabilidade informativa tanto do público, agora transformado também em produtor de notícias, como da mídia. Em Itajaí, quando a enchente atingiu 80% dessa cidade catarinense, a única emissora de televisão que continuou no ar no momento mais crítico da tragédia assustou mais do que orientou a população, como mostra o comentário do leitor Julio Castellain, no post sobre as enchentes.
Em Mumbai, ficou a dúvida se a CNN colocou ou não em risco a vida de hóspedes que estavam escondidos para não serem capturados por terroristas preocupados em fazer reféns estrangeiros. Uma dúvida explicável por uma série de comportamentos anteriores de vários órgãos da imprensa mundial, que diante de uma grande notícia não deram à devida atenção à segurança de pessoas em situação de risco, principalmente quando os afetados são pobres ou integrantes de minorias étnicas ou religiosas.