Se de algo serviu o Roda Viva de ontem à noite com o deputado Roberto Jefferson — em que os entrevistadores não conseguiram dele extrair nada que não quisesse dizer e ainda tiveram de ouvir que estavam deixando de abordar a questão de fundo da corrupção política — foi ter dado aos espectadores mais despertos e disciplinados matéria-prima para entender que a corrupção política são duas e ambas se encontram no finito espaço da disputa pelo poder.
Tudo resulta do fato de que essa disputa custa os olhos da cara, a começar do preço exorbitante que partidos e candidatos precisam pagar para sair bem na foto do horário eleitoral — uma competição decidida menos pelos políticos e as suas promessas do que pelo que disso fazem os respectivos marqueteiros e produtores de TV, pagos a peso de ouro.
As doações declaradas de campanha pagam apenas uma parcela, geralmente não a maior, dessas miionárias despesas. O remédio é o caixa 2, o das empresas, o dos partidos e o dos vendedores de candidatos.
O orçamento de uma campanha eleitoral típica é o pai de todas as roubalheiras.
A corrente da felicidade começa quando o novo governo, inevitavelmente minoritário no Congresso, precisa formar a maioria parlamentar que lhe permitirá aprovar as leis que julga necessárias. A moeda de troca por excelência são os cerca de 20 mil cargos de confiança que se calcula existir na administração direta e nas estatais.
O valor desses cargos varia na razão direta dos negócios que eles proporcionam. De nada vale ser ministro, por exemplo, se não se pode nomear afilhados leais para as bocas mais ricas. E estas estão nas estatais e nos fundos de pensão.
O cidadão que ali se instala sabe que, seja qual for a natureza da função a ser exercida, a sua principal incumbência é a de arrecadar fundos para o partido do figurão que o indicou. Conforme o indicado e o figurão, o partido dos dois receberá o butim com o deságio da parte de que cada um deles se apropriará.
Os pagadores, invariavelmente, são as empresas que vendem bens ou prestam serviço aos setores da área pública que disso dependem. Com todo o presumível rigor da Lei de Licitações e dos pregões eletrônicos, há mil-e-um atalhos para transações ilegais. Os aditivos em contratos assinados que elevam várias vezes o montante do negócio licitado são apenas uma modalidade do esquema.
Cobiça e medo
Eis um exemplo de algo mais sofisticado. O ocupante do cargo, quando não o cacique político em pessoa, pede um xis (xisão seria mais certo) para incluir uma empresa entre as finalistas de uma licitação. O empresário sabe que se, no fim, a sua companhia perder, ele será ressarcido, também por baixo do pano, pela firma vencedora (e vice-versa, já que as regras são iguais para todos).
As empresas pagam, em última análise, por dois fatores que se complementam: a cobiça e medo. Cobiça pelos grandes negócios que o Estado proporciona, com os superfaturamentos e as portas novas que se abrem cada vez que uma é transposta com sucesso na máquina pública. Os lucros mais do que compensam o pagamento do pedágio que os tornará possíveis.
E medo, obviamente, de levar cartão vermelho: quem não compactua com o esquema vai para o ostracismo porque de um empresário assim exótico se pode até esperar que resolva denunciar esse arranjo tão satisfatório para todos quantos dele participam.
A segunda corrupção se dá entre os partidos. Da mesma forma como o governo compra apoio parlamentar com cargos, verbas orçamentárias e, eventualmente, mesadas, um partido repassa dinheiro “sem recibo” a outro mais necessitado, com o qual se coligou, na expectativa de receber de volta o capital investido mais bonificações (de novo, cargos e verbas) se o candidato financiado for vitorioso.
Como lembrou Jefferson no Roda Viva, no tempo em que o banqueiro (e futuro ministro) José Eduardo Vieira dirigia o PTB, o partido abasteceu a candidatura tucana de Fernando Henrique. Depois, o PSDB fez o mesmo para irrigar a hora de candidatos petebistas a cargos variados.
Segundo o deputado, dinheiro do PT só não rolou ano passado na proporção prometida ao PTB porque a Polícia Federal, “controlada pelos tucanos”, encanou 26 doleiros que internariam dinheiro (de doadores? de laranjas do próprio PT?) transferido para portos seguros no exterior.
Dinheiro esse, por sua vez, obtido pelos métodos que resumi acima e entesourado para uso em futuras eleições.
E haja dinheiro. Até um connoisseur do pedaço, como o deputado Roberto Jefferson, se disse supreso com a facilidade com que o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza, supostamente o comparsa do tesoureiro petista Delúbio Soares, fala em somas polpudérrimas “como se dinheiro fosse chuva”.
Jefferson, pelo menos dessa vez, não fazia teatro – sejam verdadeiras ou não as as acusações. Um empresário que desde criancinha aprendeu a contar não 1, 2, 3 etc. mas 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões e assim por diante, também se confessou admirado, em particular, com a massa de capital que percorre a roda viva empresas-nomeados-padrinhos-partidos-candidatos-governos-políticos-afilhados-empresas, para onde convergem as duas corrupções.
Perto disso, mensalão – se existe – é trocado.