Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A rua é a maior arquibancada do Brasil

O slogan criado pela Fiat para alavancar seu patrocínio na Copa das Confederações pode também servir para entender por que milhares de pessoas saíram às ruas não para torcer por uma equipe de futebol, mas para mostrar um inconformismo que ninguém conseguiu até agora rotular.

Os protestos urbanos dos últimos dias fugiram ao modelo tradicional de manifestação política, mostrando que tanto os governantes como os analistas políticos perderam a capacidade de interpretar o que está acontecendo, especialmente entre os mais jovens. A imprensa, políticos e o governo se esforçam para enquadrar as passeatas e atos de vandalismo dentro de suas respectivas estratégias eleitorais.

É inegável uma clara perplexidade política entre os membros do establishment tupiniquim, pois as manifestações não têm uma liderança clara, não adotam palavras de ordem unificadas e nem seguem estruturas definidas. Noutros tempos, os líderes seriam os dirigentes de organizações estudantis, as palavras de ordem teriam cunho ideológico e o movimento seria verticalizado e hierarquizado.

Como nada disso está acontecendo, ficou difícil o enquadramento das manifestações nos clichês político-partidários tradicionais. Só isso já é um fato positivo porque mostra como a geração com menos de 35 anos trata de impor um novo tipo de comportamento e de valores ao seu desejo de ser ouvida.

O simbolismo político é outro. A presença nas ruas é mais forte do que os slogans ou lideranças. Aqui, como em vários outros lugares do mundo onde ocorreram protestos recentes, os jovens manifestantes ignoram as hierarquias e o monolitismo. A heterarquia (ausência de comando) é seu ambiente natural inconsciente. A simbologia da presença é mais forte do que o discurso.

A mobilização é feita basicamente pela interatividade das redes sociais na internet, sem que os ativistas estejam preocupados com a certificação da credibilidade das informações. Apesar das gerações mais velhas rejeitarem as redes sociais como ambiente político, isto acontece de fato, tanto que toda a mobilização para a avalancha de manifestações da segunda feira (17/6) era palpável no Facebook e no Twitter, muito antes de elas explodirem nas ruas.

As passagens de ônibus são um pretexto antigo e recorrente. Se existe alguma coisa que poderia simbolizar o estado de espírito dos manifestantes seria a expressão “estou de saco cheio”. Custo de vida, corrupção, violência e ineficiência funcionaram como ingredientes de um caldo muito mais significativo.

Quem acompanhou a cacofonia virtual nas redes já sabia há muito tempo que a garotada não está nem aí para a imprensa. Eles simplesmente a ignoram e preferem conviver com a imaterialidade, incerteza e fluidez da informação virtual. Os jornais, políticos e governantes não têm credibilidade para a geração digital. Há razões de sobra para isso e não adianta criticar a internet, com suas virtudes e defeitos, porque ela é o ambiente político da nova geração.

Para entender isso é preciso sair da zona de conforto das explicações convencionais e tentar conviver, mesmo que parcialmente, com as contradições e incertezas dos novos caras pintadas. Eles assumem a fluidez da existência virtual ao mesmo tempo em que sonham com um cargo público, pensando em estabilidade e segurança.

As ruas das principais cidades do Brasil são mais do que a arquibancada da propaganda da Fiat. Elas acabaram se transformando na parte visível de um imenso laboratório social que até agora permaneceu oculto aos olhos da geração com mais de 40 anos, por culpa da imprensa e dos formadores de opinião. Os protestos são um sintoma de uma mudança social contextualizada nas novas tecnologias de comunicação e informação, mas que vai muito além da internet e do computador.