Perfumaria numa hora dessas?
A imprensa sendo usada descaradamente pelos ministros da Defesa e da Segurança Institucional – um contra o outro na arena da grampolândia – e este blog vai se ocupar de uma notícia sobre o tabagismo do presidente.
Mas uma sacada reveladora de sensibilidade jornalística tem de ser reconhecida quando aparece, qualquer que seja o seu gancho.
Esse foi o caso da Folha ao publicar, com chamada de primeira página, uma matéria original do editor geral do Agora [do mesmo grupo], Luiz Carlos Duarte.
O Agora foi um dos oito jornais chamados populares aos quais o presidente deu uma coletiva, no seu gabinete. Às tantas, um dos entrevistadores, não ficou claro quem, perguntou-lhe o que achava do projeto – preparado pelo Ministério da Saúde – que proíbe o fumo em lugares fechados.
Lula respondeu que vai deixar correr: “Mando para o Congresso e não voto [sic]”.
Mas isso é de menos.
O de mais é que nessa hora Lula fumava uma cigarrilha.
Por um decreto de 1996, é proibido fumar no Planalto.
”Menos na minha sala”, devolveu Lula quando foi lembrado da proibição. “Eu, se for na sua sala, certamente não fumarei porque respeito o dono da sala. Mas, na minha, sou eu que mando.”
E há de ter sido essa resposta que despertou a sensibilidade de seja lá quem decidiu abrir espaço para a história na Folha.
”Lula defende fumo, acende sua cigarrilha e desafia decreto”, diz a chamada que não há de ter passado batida por nenhum leitor.
Dentro, a reportagem é factual e objetiva, como convém. E não precisaria mesmo ir além para ser uma daquelas matérias que dão o que pensar – sem se pôr a pensar pelo leitor.
Primeiro, porque cita Lula – “Eu defendo, na verdade, o uso do fumo em qualquer lugar” – e logo abaixo, num quadro, informa que “o SUS (Sistema Único de Saúde) gasta pelo menos R$338,6 milhões por ano para tratar os brasileiros que sofrem de doenças causadas pelo cigarro” – o equivalente ao custo do funcionamento de um hospital público com 200 leitos durante seis anos.
Segundo, por deixar claro que o presidente acha que o respeito a lei é uma questão de bons modos – “na sua sala certamente não fumarei porque respeito o dono [sic] da sala”. E que a lei não cruza a soleira da sua sala de trabalho – “na minha, sou eu que mando”.
É o flagrante de uma mentalidade que é tão brasileira como a jabuticaba: de um lado, a confusão entre o público e o privado; de outro, o primado do poder sobre a norma.
Somando as duas coisas, tem-se o exemplo da autoridade, em vez da autoridade do exemplo.
O que, pensando bem, não é propriamente perfumaria.