“Se a verdade fosse o teste principal para o funcionamento da imprensa, o jornalismo seria reprovado e chegaria a um impasse” [citação traduzida livremente do original em inglês do livro Informing the News, versão digital em plataforma Kindle (location 1261)]. A provocativa afirmação foi feita pelo professor da escola de governança da Universidade Harvard, Tom Patterson, também diretor do projeto Journalists Resource e autor do livro Informing the News, no qual ele questiona a ideia de que o que sai publicado na imprensa é a expressão da verdade.
Há alguns anos, negar a existência de uma verdade absoluta seria uma afirmação considerada ofensiva e chocaria muita gente, especialmente os leitores de jornais, educados na convicção de que tudo o que a imprensa publica é a expressão da verdade. Esta crença é uma herança dos tempos em que o mundo era muito menos complexo e onde as pessoas confiavam plenamente na imprensa, por falta de fontes alternativas de informação.
Tudo isso mudou, mas a associação entre imprensa e verdade ainda continua forte entre muitas pessoas e entre muitos profissionais. Para Patterson, trata-se de um comportamento determinado mais pela inércia e pela resistência à mudança do que uma aceitação consciente da complexidade da vida contemporânea.
O grande problema é que assumir a inexistência de uma verdade absoluta, coisa que a maioria dos cientistas sociais e pesquisadores já não discute mais, implica reconhecer que outras pessoas podem conhecer o que o jornalista não conseguiu entender ou descobrir. A profissão deixaria de assumir uma onipotência diante dos dados, fatos e eventos para situar-se num patamar menos pretensioso, mas ainda assim importante.
Nenhum jornalista poderia hoje dizer, em sã consciência, que compreende integralmente o funcionamento do governo federal ou conhece todos os meandros do mercado financeiro. Seria simplesmente ridículo assumir uma posição como essa porque a complexidade gerencial, política e social da administração pública tornou-se um axioma. Portanto, ao exercer sua função informadora, o jornalista deveria levar em conta a natureza complexa dos processos governamentais e assumir a relatividade da informação publicada.
A norma de ouvir os dois lados de um problema admite implicitamente a possibilidade de que o que se convencionou chamar de verdade poderia estar entre as duas versões. Só que, hoje, o nosso quotidiano se tornou muito mais complexo do que apenas duas versões. Qualquer notícia publicada na imprensa pode, em teoria, ter uma grande variedade de percepções e explicações. Isso afeta também os nossos conceitos de certo ou errado e justo ou injusto.
A maioria dos jornalistas não consegue conviver e muito menos adaptar os seus procedimentos profissionais ao que o sociólogo polonês Zygmund Baumann chamou de “realidade líquida” – e o pesquisador holandês Mark Deuze adaptou para “jornalismo líquido”. Os profissionais da comunicação estão sendo forçados a um duro aprendizado da convivência com a incerteza.
Na teoria trata-se de uma discussão fascinante, mas no dia a dia a situação é bem mais complicada, pois é necessário rever rotinas e valores entranhados há décadas no comportamento dos jornalistas. Conviver com a inevitabilidade do erro, por exemplo, é algo difícil nas redações, porque a cultura predominante é a da sanção a qualquer desvio de conduta ou procedimento equivocado.
Nós, os jornalistas, temos pavor do erro, mesmo admitindo teoricamente que falhar faz parte da atividade e que não existe acerto sem erro prévio. Mudar esse comportamento nas redações não é fácil porque a tolerância, fruto da consciência de que a realidade não se limita a uma versão certa e outra errada, pode dar origem à insegurança, o que é diferente da incerteza. Mas não há alternativa. A mudança é inevitável porque o mundo, a matéria-prima do jornalismo, já mudou.