O Brasil tem dois artistas do humor tão geniais quanto se possa querer: Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo. Chico Caruso é outro gênio, mas a praia dele é o cartum, enquanto os outros dois (também) escrevem.
O direitista Millôr é um cínico. O esquerdista Verissimo parece ter virado um cético, desde que Lula deixou de ser para ele uma espécie de “esperança do mundo”, como o seu pai, o romancista Érico Veríssimo, fez dizer, lá nos anos 1940, um dos personagens da monumental trilogia “O tempo e o vento”, sobre o líder comunista Luiz Carlos Prestes.
Verissimo é o único “intelectual público” brasileiro, reconhecido sem a menor dúvida como tal, que expressa suas idéias fazendo graça (do que nem elas mesmas escapam).
Ele é tão acatado como termômetro do sentimento coletivo que, na semana passada, a sua decisão de matar a Velhinha de Taubaté foi notícia de primeira página. Não era para menos: ao decretar a morte (por suicidio?) da senhora que era o contrário do anarquista espanhol da piada – o que dizia “se hay gobierno, soy contra” –, Verissimo tinha como que assinado o atestado de óbito do governo.
Pois se o Verissimo deixou de acreditar no Lula, então é o fim do mundo.
Não ficou por isso. Como o poeta do poeta Fernando Pessoa, “que finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”, ou como o Chacrinha, que não veio para explicar, mas para confundir, Verissimo resolveu fazer troça com o próprio desencanto, quem sabe para atenuá-lo — e, no caminho, criticar a mídia.
Em vez deixar a mundialmente famosa cidadã de Taubaté repousar em paz, eis que o seu criador soltou hoje uma bomba nos jornais que publicam a sua coluna.
“Velhinha tinha conta no exterior”, anunciou Verissimo, em tom de notícia. Uma equipe de TV, “gravando clandestinamente no interior da casa da Velhinha”, achou um papel com números “e o que parecia ser a palavra off-shore em letra tremida, o que indicaria que a Velhinha tinha uma conta no exterior, onde receberia para acreditar no governo”.
Falso: os números eram para jogar na Sena, “que a Velhinha sempre acreditava que ia ganhar”, e a palavra era “oxalá”. O receio de Verissimo é que, como alguém ficou com o papel, apareça em alguma manchete, “para atrair a atenção”, a notícia “Velhinha tinha conta no exterior”, mesmo que o texto diga outra coisa. “Sabe como é a imprensa”.
Ao imitar na sua coluna o que não é propriamente uma raridade nos periódicos – quando as matérias não seguram ou até desmentem o espalhafato dos seus títulos – Verissimo deu uma dentro com a verve em que é imbatível.
Só podem ser completamente improcedentes os boatos de que ele tinha a intenção de se juntar aos que falam que Lula, a esquerda em geral e o PT em particular, são vítimas de um “complô da mídia”.
Fico só pensando o que não diria uma crônica mordaz de Verissimo, se ele quisesse fazê-la, sobre a filósofa petista Marilena Chaui. Aquela que filosofou outro dia que “há momentos em que o silêncio é o dever de um intelectual”.