O tom geral do noticiário do primeiro debate entre Lula e Alckmin é de surpresa com a agressividade exibida pelo tucano – por isso as repetidas comparações entre o evento e uma luta de boxe.
Mas a analogia talvez mais apropriada seria com uma situação marcadamente teatral em que o desempenho dos atores é o que conta: a impressão que fica não dos fatos e números citados por um e outro, mas da atitude de cada qual diante do outro.
Na maioria absoluta dos casos, o público não tem como julgar, por exemplo, se a numeralha exibida é inflacionada ou deflacionada. Mas tem como julgar o comportamento de cada qual em cena. É em função disso que as palavras ganham (ou perdem) credibilidade.
Os candidatos se saem bem (ou mal) pelo modo como representam o seu papel.
Só que o esse papel não é o mesmo para os dois, como seria se um deles já não estivesse no cargo que o outro ambiciona. Essa diferença faz toda a diferença.
O aspirante ao Planalto é necessariamente o desafiante. O titular, o desafiado. Supondo iguais todos os outros fatores, isso dá ao primeiro uma vantagem de partida.
O desafiado, com a agravante de não ter conseguido, contra todas as expectativas, liquidar a disputa no primeiro turno, tem a perder algo que já é seu. O desafiante, para quem a mera ida ao segundo turno já foi uma vitória, tem a perder uma esperança – aliás, compartilhada meses atrás por muito poucos até entre os seus – e não uma realidade.
Com o adicional da pesquisa divulgada na noite da antevéspera, segundo a qual nada mudou em relação aos resultados do domingo anterior.
No sistema de reeleição, em outras palavras, o desafio de conservar a presidência da República, o governo de um Estado ou a prefeitura de um município, pesa mais, por definição, que o desafio de conquistá-la. É o chamado ‘peso da camisa’ que um já veste e o outro deseja.
Isso transforma um em vidraça, o outro em estilingue. Mesmo quando este já foi vidraça também. Para acompanhar um debate nessas circunstâncias, ideal seria que o espectador, ainda mais quando jornalista, adotasse esse ângulo de visão.
A natural desigualdade de posições dos atores no palco é um dado essencial para julgar o desfecho do espetáculo.
Um porém, de todo modo: os jornalistas que os entrevistaram no quarto ato do show não precisavam tratar tão desigualmente os desiguais. Menos ainda, como se viu especialmente na intervenção de José Paulo de Andrade, confundir pergunta com discurso.
Agora, só para provocar o debate, desta vez entre os eventuais leitores do Verbo Solto, registro um comentário de um brasileiro expatriado há 40 anos, que aproveitou a vinda ao país para se ligar na TV ontem à noite:
‘Se tivesse que operar o cérebro, gostaria que Alckmin fosse o cirurgião. Mas, para reabilitar o coração, preferiria Lula. Afinal, o cérebro precisa de sangue para funcionar.’
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