No domingo, o Globo deu em manchete que a ‘Petrobras favorece ONGs ligadas ao PT com patrocínio’ e dedicou ao assunto uma página inteira e a área disponível de três outras – na última delas, a empresa desmente que tenha escolhido por critérios políticos os organismos beneficiados, assegurando que as decisões se guiam por análises técnicas e que fiscaliza os projetos selecionados.
Na segunda, de novo o Globo, e na terça, a Folha publicaram reportagens em que empresas fornecedoras da Petrobrás aparecem como grandes doadoras de candidatos petistas em vários Estados na última eleição.
O que as três matérias passam para o leitor é a idéia de que a Petrobrás favorece organizações não governamentais, empresas e entidades empresariais – no caso, a Associação Brasileira de Engenharia (Abemi) – que tratam bem o PT.
Ou seja, a estatal praticaria o ‘toma lá, dá cá’, ou o ‘dá cá, toma lá’, como se preferir.
Nenhuma das matérias demonstra uma relação de causa e efeito entre o dinheiro gasto pela Petrobras com ONGs e empresas, e o fato de umas terem ligações com o PT e outras doarem dinheiro para o PT.
É possível – quem sabe, altamente possível – que essa relação exista. Mas ela não ficou comprovada.
Ontem, o presidente da Petrobras, o petista José Sérgio Gabrielli, convocou uma entrevista na qual acusou jornalistas de fazer ‘ilações inaceitáveis’.
E elaborou: ‘O que saiu em O Globo e o que saiu na Folha de S.Paulo é uma completa ilação irresponsável tentando associar situações que não são relacionadas com a ação da Petrobrás.’
Se tivesse ficado nisso, nada haveria a criticar no seu comportamento. Mas não: ele não ficou nisso.
Ele acusou os dois jornais de promover ‘uma campanha orquestrada contra a Petrobras’ e de fazer ‘jornalismo marrom’.
Com isso ele pode ser acusado do que acusa as reportagens: de fazer ‘ilações inaceitáveis e irresponsáveis’.
Porque ele não provou nem o que chamou de ‘campanha orquestrada’ – uma variante da expressão ‘complô da mídia’ –, nem que o Globo e a Folha sejam exemplos de imprensa marrom, ‘a que explora o sensacionalsimo, dando larga cobertura a crimes, fatos escabrosos e anomalias sociais’, na definição do Novo Dicionário Aurélio.
Outra coisa que Gabrielli não podia fazer era se dirigir a um dos autores das reportagens, dizendo, segundo o Estado, que ele não é bem-vindo na Petrobras.
A moral da história é que vai de mal a pior o tiroteio entre o PT/governo e a mídia, entre petistas e jornalistas acusados de parceria com a oposição – e por aí.
Como o governo não vai intimidar a mídia, se é isso que pretende, nem a mídia vai derrubar o governo, se é isso que pretende, as agressões servem apenas para degradar, mais e mais, o nível do debate público no Brasil.
Em outras palavras, sobra para os brasileiros que prezam a civilidade, mesmo em caso de conflitos de idéias, acima das ideologias e das preferências políticas.
Da série ‘O asco, o asco’
Reportagem do Estado sobre o ato de desagravo ao ex-comandante do DOI-Codi, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – que se diz inocente de torturar presos políticos durante a ditadura e considera ilegítimo o processo aberto contra ele – informa que participaram do evento, em Brasília, ‘mais de 200 oficiais de alta patente da reserva das Forças Armadas, entre eles 70 generais’.
Ali se disseram coisas de dar engulhos:
‘Enquanto assaltantes, sequestradores, terroristas e assassinos permanecem livres sob a justificativa de que lutavam por uma causa, nós que, cumprindo ordens de nossos superiores hierárquicos, lutamos e preservamos a democracia agora estamos ameaçados de ir para a prisão…’ (Ustra).
‘Do que o acusam e quem o acusa? Do crime, como se fosse crime, de defender com risco da própria vida a nossa pátria.’ (ex-senador e coronel Jarbas Passarinho).
Para os chegados há pouco a este mundo: em 1964, um golpe militar derrubou um governante eleito, o presidente João Goulart; o regime que se seguiu e durou até 1985 foi tudo menos democrático: fechou o Congresso, cassou políticos, aposentou professores, censurou a mídia, amordaçou a cultura, prendeu, torturou, matou e condenou arbitrariamente pessoas que, estas sim, ‘defenderam com risco da própria vida a nossa pátria’, além de outras tantas que nem sequer exerceram o direito universalmente reconhecido de resistência à tirania.
No mérito, como dizem os profissionais do direito, Ustra alega que não pode ser processado porque a Lei da Anistia impede a punição de envolvidos em crimes, de parte a parte, naqueles intermináveis anos de treva. Mas a família que o acusa de torturá-la não pede que ele vá para a prisão, ao contrário do que diz. Quer o reconhecimento de um fato – em nome da verdade.
Ustra disse achar que a Lei da Anistia ‘muito em breve será revogada’. Não será, até onde a vista alcança. Mas, na Argentina e no Uruguai, onde a anistia caiu, a gorilada, militar e civil, já começou a pagar pelos seus crimes monstruosos.
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