Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Al Gore pisa na bola na hora de comentar casamento entre a internet e a TV

O ex-vice-presidente dos Estados Unidos que virou guru da ecologia e da internet, passou a defender a tese de que as palavras podem se transformar em meros parênteses no processo de democratização da informação puxado pela popularização das imagens.


 


Gore tem um refinado olfato para novas tendências. Não foi um pioneiro na ecologia, mas aproveitou a politização da preocupação ambientalista para lançar um documentário (Uma Verdade Inconveniente) e acabou levando-o ao Prêmio Nobel da Paz de 2007.


 


Lançou o projeto ‘Autopistas da Informação’ quando ainda estava no governo ao lado do presidente Bill Clinton, num momento em que a Web começava a chamar a atenção do mundo. Em 2005, foi um dos organizadores da Current TV, para vídeos amadores, coincidindo com a explosão do fenômeno You Tube.


 


Agora afirma que a sonhada democratização da informação será acelerada pela combinação da televisão e internet. Ainda é impossível saber qual o alcance prático da afirmação de Gore, porque a Current TV está longe de ameaçar a hegemonia das grandes redes de televisão e os megaimpérios cinematográficos de Hollywood, apesar de já operar também na Inglaterra, Irlanda e, desde abril, também na Itália.


 


Como modelo empresarial, a Current TV ainda não deu lucro, e provavelmente não será auto-sustentavel pelos próximos dois anos. Mas como idéia ela encaixa perfeitamente na tendência da internet de valorizar mais as imagens do que o texto.


 


Não é segredo que estamos no limiar de uma nova era na qual as imagens ganharão muito mais espaço entre os canais de informação. Isto pode ser detectado ao analisar a forma como os jovens se comunicam. Eles usam cada vez mais ícones, emoticons e fotos instantâneas, para deleite dos especialistas em semiótica.


 


A produção de imagens era até agora um processo caro e elitizado porque exigia habilidades e equipamentos sofisticados, enquanto a escrita e a comunicação sonora eram baratas e altamente disseminadas.


 


Mas as inovações tecnológicas que levaram à digitalização da fotografia e dos vídeos, bem como as técnicas de edição e publicação pela internet, acabaram reduzindo dramaticamente o custo de publicação de imagens. A fotografia deixou de ser um recurso para documentar fatos e situações extraordinárias para ser uma forma de expressão do quotidiano das pessoas.


 


Hoje, fotografa-se e filma-se como nunca. Os equipamentos digitais são onipresentes e deixaram de ser uma exclusividade de quem tem dinheiro, seguindo o mesmo processo do telefone celular.


 


A digitalização tornou também possível o casamento entre a internet e a televisão, a chamada WebTV, cuja principal característica é a personalização no acesso a vídeos. A WebTV vai mudar radicalmente a forma como assistimos televisão porque acabará com a programação fixa. Cada pessoa poderá ver o programa preferido na hora em que desejar, montando a sua própria programação.


 


São processos que tendem a se generalizar, mais cedo ou mais tarde. Mas daí a dizer que as palavras poderão se tornar “meros parênteses” na busca da democratização da informação é tentar produzir uma frase de efeito para virar manchete, coisa que Gore conseguiu tanto na versão original da entrevista ao jornal italiano  Corriere della Sera, como na sua tradução publicada na Folha de S. Paulo, no domingo (25/5). 


 


Não dá para chamar de parênteses um período de mais de dois mil anos em que a palavra oral e escrita predominaram como forma de comunicação entre seres humanos em todo mundo. O surgimento de uma era imagética é um fenômeno altamente promissor porque amplia a capacidade humana de comunicar, mas isso não vai acabar e nem suprimir a comunicação oral e escrita.


 


A frase é típica dos especialistas em marketing da internet preocupados em destacar sempre soluções definitivas, ignorando o fato de que a rede mundial de computadores e a Web ampliam o espaço da comunicação, sem eliminar nenhum dos canais já existentes.


 


Outra ressalva é sobre a questão da democratização do acesso à informação digitalizada. A transmissão de imagens pela WebTV exige uma largura de banda em torno de um a dois megabits por segundo, quando a maioria das conexões, no Brasil pelo menos, ainda é feita a velocidades menores que 500 Kbps.


 


A verdadeira democratização da informação na Web só virá com o fim da exclusão digital, que impede o acesso de quase 60% da população brasileira à internet. Isto depende de políticas de governo e das empresas de telecomunicação no país.