Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Apurando o faro

Tatiane Klein foi selecionada em abril para atuar como pesquisadora do Observatório da Imprensa no rádio e do blogue Em Cima da Mídia em convênio com a Oboré Projetos Especiais, onde ela faz parte da turma de estudantes que participam do projeto Repórter do Futuro. Fica aqui nosso agradecimento ao jornalista Sérgio Gomes da Silva, diretor da Oboré, pela sugestão e pela ajuda concreta no processo seletivo.


Tatiane participou do 2º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido nos dias 18 e 19 em São Paulo pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e escreveu o seguinte relato.


Um olho no futuro e outro na vocação histórica


Tatiane Klein


Há sempre o que ser discutido sobre se o termo “jornalismo investigativo” não é mais que uma redundância. Mas se a investigação é a condicionante primeira do bom trabalho jornalístico, é principalmente por meio da qualificação dela que se podem pensar as novas conformações para o cenário profissional do país. Este foi um dos papéis do 2º Congresso promovido pela Abraji: trazer para a ordem do dia valiosos questionamentos éticos, práticos e teóricos.


Nos elevadores e corredores da Faculdade Cásper Líbero espalhavam-se rodinhas de estudantes e jornalistas em discussão à espera do início dos debates que, nos dois dias de congresso, iniciavam-se às nove da manhã e se estendiam até o início da noite. A abertura havia ocorrido na quinta-feira, dia 17, na Universidade Presbiteriana Mackenzie com homenagem ao jornalista Joel Silveira. Somaram-se 60 mesas de cursos, palestras e debates.


O jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Cláudio Júlio Tognolli, parte da comissão organizadora do Congresso, diz que talvez mais importantes que as próprias palestras foram as trocas de idéias em horários de almoço e jantar – e, segundo Tognolli, esta face informal do evento foi muito silenciada. Ele conta ter discutido muito com Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas em Austin, Estados Unidos, um dos jornalistas/palestrantes no Congresso, sobre o famigerado “fim do jornalismo impresso”.


“O jornalista é uma raça muito arrogante”, lança Tognolli. Ele reitera falas como a da jornalista Angelina Nunes, do Globo, que testemunhou em sua palestra, “Investigação jornalística – Como trabalhar em equipe”, um código de ação profissional pautado pela idéia de comunhão de informações. Angelina, que compara o trabalho da equipe investigativa ao exercício coral, fez parte do grupo de sete jornalistas que assinaram a série de reportagens “Os homens de bens da Alerj”, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 2004.


A idéia de que a democratização desenfreada do acesso à informação, propiciada pela corrente revolução tecnológica, gerou modificações expressivas nas formas de produção e recepção dos conteúdos jornalísticos já é quase um truísmo. Mais além, a discussão se dá no sentido da necessidade de o jornalismo impresso renovar seus valores deontológicos e, concomitantemente, os pragmáticos.


Para Tognolli, chegou a hora do jornalista descer de sua torre de marfim e passar a dividir a cena com o leitor – aqui os blogues têm papel essencial e, segundo ele, também revolucionário. Fragmentar e plurificar lugares-de-fala jornalísticos, via internet, significa também minar o poder simbólico de um ideal de mídia que alimenta o poder real das grandes corporações: “Enquanto catalisadoras de informação, as corporações estão com os dias contados”, avalia.


E como fica a situação da vertente investigativa, nesse cenário? “O jornalismo investigativo vai passar a ser jornalismo instigativo”. O professor depreende das conversas com Rosental que o papel do jornalista é agora, e será cada vez mais, o de agregar conteúdos, trabalhando com convites para que o leitor faça parte direta no recorte e desenvolvimento de pautas. O modelo é o do “crowdsurfing”: o jornalista “pergunta” ao leitor como ele pode ajudar em tal apuração e, então, sensível à sua condição de sujeito nos processos produção jornalística, fica explícita, àquele que se restringia a passar olhos pela folha, a necessidade de coadunar perspectivas.


No sentido prático, são os já tradicionais os cursos de Reportagem com o Auxílio do Computador, com destaque para o trabalho do americano Steve Doig, e de organização de Bancos de Dados do Congresso, que oferecem subsídios para a qualificação dessa postura plasmadora do jornalista. Essas ferramentas possibilitam a observação de índices e tendências a partir de dados coletados por pesquisas prévias – principalmente e inclusive as realizadas pelo próprio Estado. A partir daí, configuram-se novas plataformas de investigação cujo âmbito pode ser tanto o das políticas públicas e suas deficiências como o do jornalismo cultural – narrativa de um “cadáver” em que vermes se escondem tal e qual nas gavetas escuras da administração pública.


Está revelado um movimento de desobediência ao estado de coisas da mídia tautologista, de discurso inócuo e sedutor – por sua facilidade de reprodução. Abriram a porta do canil e, pelo menos ao que parece, os cães farejadores querem reaprender a fórmula de incisão na História que só o jornalismo metologicamente rigoroso e rico em vigor vocacional pode propiciar.