Como é mesmo?
Na terça, 20, o presidente Lula disse em discurso:
“Nem sempre a imprensa diz tudo o que está acontecendo no Brasil. Às vezes, se a gente quiser saber mais a gente lê a imprensa internacional, que fala bem. Nunca vi como a imprensa espanhola, alemã, americana, inglesa gosta tanto do Brasil. A nossa demora mais para enxergar.”
Nesse dia, o Estado noticiou:
“O governo brasileiro vai gastar R$ 15 milhões anuais para divulgar o país nos Estados Unidos, na União Européia e na Ásia. […] O governo pretende manter uma estrutura permanente de comunicação no exterior para fazer relações públicas do Brasil com a mídia local. […] Hoje, o corpo diplomático do Brasil já desempenha esse papel de relações públicas no exterior.”
Vai ver o Planalto acha pouco a imprensa internacional “falar bem” e “gostar tanto” do Brasil. Decerto precisa falar mais bem ainda e amar o país para, segundo a matéria do Estado, atrair investidores grandes, médios e pequenos, além dos fundos de pensão.
Como se esse pessoal, qualquer que seja o seu peso e tamanho, não lesse o que “a imprensa espanhola, alemã, americana, inglesa” publica sobre o país nas suas páginas econômicas – e é nelas que o presidente estava pensando. Mas passemos.
Importa registrar que, parecendo vestir a carapuça, a imprensa – a nossa, que “demora mais para enxergar” – se limitou a transcrever a crítica de Lula, não ajudando o leitor a enxergar o outro lado.
Por exemplo, as reportagens e artigos do exterior que expõem os fracassos da política ambiental brasileira nestes tempos de calamitosas mudanças climáticas ou focalizam aspectos da barbárie cotidiana em que estamos mergulhados.
Do ângulo do jornalismo, há outra questão ainda – ou pelo menos uma hipótese. Nos países de imprensa livre e competitiva, a mídia local tende a ser mais crítica dos governantes, no dia-a-dia, do que a estrangeira, que obviamente desse varejo não se ocupa.
No caso brasileiro, o presumível padrão se acentua por duas razões básicas que se combinam entre si.
A primeira, do lado de cá do balcão, é a aversão ideológica do baronato da comunicação pela nova elite do poder. É bom ressaltar, aliás, que a mudança da guarda em Brasília a contar de 2003 é a maior de que se tem memória – em termos das origens sociais dos estratos dirigentes e dos escalões superiores da burocracia – desde a Revolução de 1930.
A segunda razão, do lado de lá, é que o PT-governo e os seus aliados – com o que convencionaram chamar, no geral, “erros”, ou, no específico, “erros administrativos” – dão matéria-prima suficiente para justificar, a posteriori, a antipatia de parte da mídia.
A diferença entre o agora e o antes não vem necessariamente, nem principalmente, dos índices de malfeitorias dos poderosos de turno. Está na atitude de amplos setores da imprensa em face delas. Dito de outro modo: mesmo pelos motivos errados, a mídia está certa em ser dura com o atual governo; errada era a sua complacência com as gestões Fernando Henrique.
P.S.1 O IHT ‘furou’ o NYT
O New York Times deste sábado publica uma das tais matérias de encher os olhos do presidente Lula: ‘Boom times for Brazil´s consumers‘ (Tempos de bonança para os consumidores brasileiros).
Começa assim: ‘Os consumidores nos Estados Unidos estão apertando os seus cintos; os brasileiros estão gastando como se a palavra recessão não existisse em português.’
A matéria está nos sites noticiosos brasileiros do dia. Detalhe: ela já tinha saído duas semanas atrás numa das edições européias do International Herald Tribune. Sem problemas: o IHT, editado em Paris, pertence ao New York Times, que lhe repassa as matérias de sua equipe.
P.S.2 O problema não são as “idéias”
Na sua coluna de sexta na Folha, o ex-presidente José Sarney escreve que “a América profunda” não aceitará facilmente as “idéias” do provável candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama.
Idéias?
O que a América profunda não aceita é a idéia de um presidente negro.