Os leitores, ouvintes, telespectadores e usuários da Web estão tendo cada vez mais dificuldade para separar o joio do trigo em matéria de informação. E o pior é que esta situação tende a se agravar na medida em que a avalancha noticiosa cresce de intensidade com a popularização da internet e a diversificação dos canais de acesso à arena informativa.
É uma situação angustiante porque afeta a nossa capacidade de tomar decisões, um dos elementos essenciais na construção da cidadania e de nossa inserção comunitária. Diante de tantos dilemas, aumenta a tendência a uma espécie de autismo social[1], em que as pessoas simplesmente rejeitam a informação em bloco por uma desconfiança generalizada na existência de interesses ocultos.
Este isolamento vai na contramão da sociedade da informação e, dada a gravidade de suas conseqüências, crescem no mundo os estudos sobre auto-regulação na distribuição de conteúdos informativos. Auto-regulação é uma proposta, que muitos consideram utópica, segundo a qual as pessoas, e não instituições ou códigos, assumem as decisões sobre o que é válido ou inválido em matéria de informação.
Trata-se de uma mudança radical de comportamentos que implica a criação de novas rotinas e valores em comunidades sociais, um trabalho hercúleo que a organização holandesa Free Voice pretende iniciar, na América Latina, por meio de um projeto de discussão da auto-regulação informativa com base na ética.
O projeto terá uma fase de testes até dezembro em quatro países (Colômbia, Nicarágua, Bolívia e Guatemala) para avaliar a aplicabilidade regional do modelo de códigos de ética participativos em jornais, emissoras de rádio e TV, desenvolvido no Peru. Depois, o projeto será expandido para os demais países (Argentina, Brasil, Chile, Equador e Venezuela) onde atuam organizações filiadas à Rede Latino-Americana de Observatórios da Imprensa.
Os códigos de ética participativos são desenvolvidos por funcionários e proprietários de órgãos da imprensa com o objetivo de criar parâmetros consensuais capazes de ajudar na tomada decisões sobre o que divulgar ou não — e como — em jornais, revistas, emissoras de rádio ou de televisão.
Na verdade, a discussão prévia à elaboração do código de ética é muito mais importante do que o texto final. Isto porque a busca do entendimento, que é um processo difícil e complicado, cria as bases para que o código funcione. Temos hoje dezenas de códigos de ética espalhados pela imprensa e que têm pouca utilidade porque não contam com o consenso generalizado. Ainda mais num contexto onde a mídia está passando pela sua maior transformação desde Gutenberg.
São dois desafios enormes. Primeiro, buscar consenso entre jornalistas, executivos e donos de veículos de comunicação em torno de valores éticos que também estão em transformação, por conta do impacto digital na captação, processamento e distribuição da informação e conhecimento. Segundo, plasmar este consenso em textos, o que significa extrair a essência da essência do consenso logrado na discussão prévia.
As incógnitas são tantas que dá até para entender a classificação de utopia. O problema é que não temos outra alternativa. A imposição vertical e centralizada de novos códigos de ética não vai funcionar porque ela não conseguirá garantir interpretações e contextualizações minimamente consensuais. Por outro lado, a ausência total de regulamentação também é inviável, porque as pessoas não conseguirão viver muito tempo sem parâmetros para decidir o que é valido ou não em matéria de informação.
Estamos condenados a percorrer o caminho mais difícil, mais longo e mais incerto. Mas é o único que pode nos trazer algum conforto no caos informativo que está sendo criado pela avalancha noticiosa.
[1] Autismo é uma desordem mental que provoca o isolamento da pessoa em relação ao mundo externo.