Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bancada da bala produz empulhação política

O segundo programa da campanha pelo não no referendo de 23 de outubro começou com grossa empulhação. O direito de legalmente comprar e portar armas é apresentado como conquista da luta contra a ditadura, pelas liberdades democráticas. Filmes de época e retórica antiditadura militar foram apresentados ontem à noite na televisão. A bancada da bala é chefiada pelo deputado federal Alberto Fraga (PFL-DF), coronel PM reformado, um nostálgico do golpe de 1964, que ele chama de contra-revolução.


Veja, ilustre e pacífico leitor, o que disse em discurso no dia 31 de março de 2004, em comemoração ao quadragésimo aniversário do movimento militar, o deputado Fraga. A finalidade aqui não é lançar anátema contra o deputado por defender o golpe. É direito dele. A finalidade é mostrar como é diferente, por conveniência, a retórica adotada agora pelo programa da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, que ele preside. Tudo feito na base do marketing, sem aprofundamento, para pescar em águas turvas. 


São trechos do discurso:


“(….) Será que a imprensa desconhece a marcha realizada no Rio de Janeiro, à qual mais de meio milhão de pessoas compareceram para ratificar e apoiar a ação das Forças Armadas? Será que a imprensa e a sociedade brasileira se esqueceram de que milhares de pessoas contribuíram com jóias e dinheiro para que o País saísse da turbulência que o ameaçava? Será que a própria mídia esqueceu do editorial de todos os jornais da época: O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo cujo nome era, se não me engano, Correio da Manhã e Estado de Minas, cujo diretor de redação, Sr. Rui [Mesquita, diretor de redação do O Estado de S. Paulo; aqui o orador fez, como se percebe, uma grande salada com jornais e jornalistas], diz que << derrotados escreveram a história>>. S.Sa. diz que ele próprio apoiou o Movimento de 1964.


Não quero falar sobre o que ocorreu após a Revolução de 1964: torturas, prisões, excessos. É bem verdade que isso incomoda as próprias Forças Armadas. No entanto, transformar a contra-revolução num ato insano é demagogia, é hipocrisia, é cretinice e sem-vergonhice da Oposição. Nas escolas contam outra história a nossos jovens. A história precisa ser dita e escrita de maneira fiel ao que ocorreu.


Não estou defendendo a ditadura militar, mas o Movimento de 1964 merece o respeito de V.Exas., da sociedade, da mídia e do Congresso Nacional. Referem-se ao dia 31 de março de 1964 como o início da ditadura militar. (….)


Não pretendo aqui defender a conseqüência da ditadura, com que também não comungo. Tenho isenção para falar sobre o Movimento de 1964, porque tinha 5 anos de idade na época. Mas não é justo transformar movimento apoiado pela sociedade e pela Igreja em golpe, meu Deus do céu! (….)


A conseqüência da ditadura é outra. Se tinham de entregar o Governo, em 1965, e não entregaram, é outro quadro. Explorem esse tema; explorem a permanência dos militares no Governo, mas não explorem a licitude do Movimento de 1964, uma contra-revolução, um contragolpe. O País ia explodir! (….)


[Os três reiterativos parágrafos acima são reproduzidos para dar ao deputado direito ao álibi de argumentar que defende o movimento de 1964 mas não suas conseqüências. Mas é contraditório o deputado ter defendido o conceito de revolução, em lugar de golpe, como se o problema não fosse o próprio conceito de revolução, de ruptura da ordem constitucional.]


Não tenho receio algum de ocupar esta tribuna e defender aquilo em que acredito. Sou Parlamentar hoje porque sempre lutei pelas minhas convicções. Acredito num país que quer vencer as dificuldades, mas não acredito numa imprensa marrom, tendenciosa, que só mostra aquilo que lhe interessa para vender jornal, que só mostra o que é simpático dizer. Não. Peço, com o meu pronunciamento, que pelo menos as escolas públicas deste País ensinem aos nossos jovens o que foi realmente a Revolução de 1964”.


Mereceu um aparte desse grande prócer democrático que é o atual presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Ricardo Izar, ex-auxiliar de Paulo Maluf na Prefeitura paulistana (ninguém é perfeito…):


O Sr. Ricardo Izar – Sr. Deputado, gostaria de cumprimentá-lo pelo pronunciamento e mostrar à opinião pública e aos nobres Deputados como as coisas mudam neste País. Hoje, ao ler os jornais, vi que a maioria estampou manchete sobre o transcurso do aniversário do golpe de 1964. Essa mesma imprensa elogiou o Governo em 1964, quando da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Na realidade, é o povo, a classe média, a família, a população que queria aquela revolução; não foi golpe, mas revolução, porque os militares estavam fazendo o que o povo queria. Essa é a verdade. Os aspectos positivos foram completamente esquecidos. Só se fala em perseguição e justiça, mas estão cometendo grande injustiça em relação à Revolução de 1964 ao mudarem a história do Brasil.
O SR. ALBERTO FRAGA – Obrigado, nobre Deputado Ricardo Izar. Graças a Deus ouvi de V.Exa. algo que a sociedade precisa entender.
Hoje não é politicamente correto defender os ideais da contra-revolução de 31 de março de 1964, pois o que dá ibope é glorificar os terroristas que pretendiam transformar o Brasil numa grande Cuba
” (….).


João Ubaldo


O escritor João Ubaldo Ribeirto escreve hoje (no O Globo e no O Estado de S. Paulo), na mesma linha da Veja: ‘Vou votar contra’. É um texto áspero, mas contém uma argumentação séria.


(Ver também ‘Armas: o statu quo policial e judiciário agradece’, e !Desarmamento: foco e ilusões’, abaixo.)