Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Bancada dos fiscais’ foi esquecida

Em dezembro de 2004 a revista Exame publicou uma denúncia contra deputados que se haviam especializado em ‘infernizar a vida de empresários e executivos de grandes companhias’. ‘Composta por cerca de dez deputados, a maioria eleita em São Paulo e no Rio de Janeiro por cinco partidos diferentes, essa bancada tem mostrado um apetite insaciável por informação a respeito de algumas das mais importantes empresas do país. Convocar seus representantes para prestar esclarecimentos sobre o dia-a-dia dos negócios tornou-se uma verdadeira obsessão desses parlamentares. Um dos mais destacados membros da bancada, o deputado Celso Russomanno, do PP de São Paulo, realizou nada menos que 96 requerimentos, convocando empresas de dez setores para cobrar esclarecimentos. Seu colega Eduardo Cunha (PMDB-RJ) encaminhou outros 62 requerimentos. Nelson Bornier, também do PMDB do Rio de Janeiro, apresentou 32 requerimentos’.


Tenha paciência, leitor, para uma longa citação. Mas vale a pena.


‘Aos representantes das empresas, pergunta-se de tudo – dados contábeis, procedimentos tributários, segredos industriais e nomes de executivos encontráveis na internet -, ainda que não fique claro, na imensa maioria dos casos, exatamente o que buscam os deputados em sua ânsia investigativa. As dúvidas quanto ao método e às intenções da bancada fizeram com que a Câmara dos Deputados abrisse três sindicâncias para apurar a conduta dos parlamentares, tamanha a agressividade demonstrada contra as empresas. <<É importante que a Câmara apure todas as denúncias de chantagem, extorsão ou abusos para que não pairem dúvidas sobre a atuação de todos os deputados>>, diz o deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara. << Se houver qualquer irregularidade, que esse parlamentar seja rigorosamente punido >>.


Ao longo das últimas semanas, a reportagem de EXAME pesquisou a atuação da <<bancada dos fiscais>>, atuante principalmente em duas comissões permanentes, a de Defesa do Consumidor e a de Fiscalização e Controle, e em duas temporárias, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) dos Combustíveis e da Pirataria, abertas em 2003. Os números são inquietantes. A bancada apresentou 347 requerimentos apenas nos dois últimos anos para mais de uma centena de empresas de 40 diferentes setores da economia. Feitas as contas, isso dá um requerimento a cada dois dias se trabalhassem sábados, domingos e feriados. Como os políticos se dedicam aos afazeres de Brasília com mais entusiasmo de terça a quinta, vê-se como é produtiva essa bancada. Entram na dança companhias de todos os tipos – privadas e estatais, grandes e pequenas. As dez mais chamadas ao Congresso são Bradesco, Coca-Cola, Embratel, Gol, Shell, TAM, Telefônica, Telemar, Varig e Vasp. A contabilidade mostra que o interesse por informações se encontra em rota ascendente. O número de requerimentos que citam apenas essas dez empresas saltou de 33 em 2001 para 67 no ano passado. Somente no primeiro semestre deste ano, foram mais 53, indicando que o interesse triplicou nos últimos anos.


É claro que fiscalizar empresas faz parte do trabalho do Congresso, tanto aqui como em qualquer país. O que não parece razoável é ter tantas dúvidas sobre tantas empresas o tempo todo. Essa forma de fiscalizar causa muita apreensão nos meios políticos e empresariais quanto a possíveis exageros ou mesmo abuso de poder por parte de deputados. Isso tem sido observado principalmente durante os trabalhos das CPIs, uma vez que elas têm poder de investigação semelhante ao de uma autoridade judicial. Ou seja, enquanto no trabalho cotidiano os deputados podem apenas convidar pessoas ou entidades a comparecer ao Congresso, durante as CPIs a lei garante o poder de << convocar testemunhas para depoimento, se necessário com o uso de meios coercitivos>>. O caso mais rumoroso foi o da CPI do Banestado, iniciada em 2003 e ainda em curso no Congresso. No fim do ano passado, a CPI pediu uma patética quebra em bloco do sigilo fiscal de 29 pessoas, todas presidentes e executivos dos bancos Bradesco, Itaú, Unibanco, ABN Amro, Safra, BBM e Alfa. A comissão não conseguiu fundamentar os pedidos e agora se vê às voltas com denúncias de uso político das informações obtidas. << Se houve exagero por parte de deputados, vamos reunir evidências como num inquérito policial>>, diz a deputada e juíza Denise Frossard (sem partido-RJ), que integra a sindicância que apura possíveis abusos na Comissão de Defesa do Consumidor e em CPIs. As sindicâncias não têm o poder de punir, apenas o de fazer recomendações à Câmara, ao Ministério Público e à Justiça’.  


A reportagem citava ainda Leonardo Picciani (PMDB-RJ), André Luiz (cassado em maio último), Renato Cozzolino (PSC-RJ) e Raquel Teixeira (PSDB-GO), hoje secretária de Ciência e Tecnologia de Goiás. O assunto não foi acompanhado pela mídia. Nem a própria Exame voltou ao tema da reportagem. Nota de 21/9, 8h40: talvez a infausta eleição de Severino Cavalcanti, em fevereiro passado, seja a melhor explicação para esse silêncio. Severino ia lá querer investigar uma ‘bancada dos fiscais’? Lembrar que ele mesmo foi, anos atrás, o corregedor da Câmara…