Se alguém tinha alguma dúvida de que a internet é um novo ambiente político, esta dúvida desapareceu durante as manifestações de rua que abalaram o Brasil nos últimos dias. E dentro do ambiente virtual, o boca a boca em redes virtuais mostrou-se a estratégia de surpreendente eficiência na circulação rápida de mensagens – não importa a distância e status entre os protagonistas, nem se é usada em países ricos ou pobres.
Só assim é possível entender como ocorreram os protestos em quase cem cidades diferentes sem que ninguém tivesse assumido a coordenação.Em condições normais seria inacreditável que isso acontecesse num país de dimensões continentais e com uma enorme diversidade regional. Mas o que se viu foi uma sucessão de manifestações cuja sincronização seria impossível sem as redes sociais na internet e o correio eletrônico.
A importância assumida pela web como ambiente político confere aos mais jovens um protagonismo político inédito na história do país, não só porque tradicionalmente eles sempre foram os primeiros a sair às ruas, como também são, agora, os que têm mais intimidade com os recursos das novas tecnologias de comunicação e informação.
O uso intensivo da comunicação viral boca a boca pelas redes sociais surge como a explicação mais plausível para o fato de tanta gente em tantas cidades ter saído às ruas ao mesmo tempo, sem pertencer a uma mesma organização política e sem que a maioria soubesse exatamente o que iria acontecer.
Isso seguramente mudará a forma e o conteúdo das manifestações futuras, produzindo um novo contexto político cujos desdobramentos estão sendo definidos na prática e caso a caso. Não há especialistas em mobilização política pela internet, embora o recurso já tenha sido usado em países tão distintos quanto Filipinas, Líbano, Turquia, Tunísia, França e agora, Brasil.
Os acontecimentos das última semanas mostram que a internet já deve ser levada a sério como ambiente político em vez de ser relegada à condição de submundo do boato, informações falsas e mau jornalismo. A rede tem tudo isso, mas tem algo mais que passa a mudar o nosso quotidiano da mesma forma que a televisão alterou as campanhas eleitorais.
Em vez de ver apenas defeitos na internet, é necessário descobrir como ela está alterando o exercício das relações políticas na sociedade contemporânea, até porque a rede é uma realidade irreversível. Pesquisar, por exemplo, como combinar a tranquilidade com que os jovens usam as ferramentas digitais com a capacidade contextualizadora dos mais velhos.
Se a garotada tem mais facilidade em integrar-se ao ambiente digital porque não tem preconceitos e possui uma inclinação natural para aventurar-se em territórios inexplorados, a geração com mais de 40 anos tem uma experiência de vida que os mais jovens ainda não puderam ter. Esta experiência lhes dá condições de contextualizar melhor os fatos e processos deflagrados pelas novas tecnologias de comunicação e informação.
A revolta das ruas, viabilizada pelo boca a boca pela internet, pode criar um novo contexto político no país na medida que as pessoas descobrirem que podem usar as redes sociais virtuais para mostrar presença física nas ruas e, assim, serem ouvidas nas grandes questões nacionais. Mas para que isso aconteça é necessário haver uma combinação da tecnologia e da sociabilidade virtual com a capacidade de identificar tendências e conjunturas, coisa que os mais velhos têm mais condições de fazer, desde que sintonizados com os ativistas digitais.
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