Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil menos desigual

Se as redações tivessem um pouco de perspectiva, as manchetes sobre a divulgação pelo IBGE das Contas Regionais, que mostram a evolução do PIB até 2003, não teriam sido negativas neste sábado (5/11), mas positivas. A verdadeira manchete seria “PIB mostra Brasil menos desigual”, comemorativa. Mas o que se lê hoje (dia em que não há edições do Valor e da Gazeta Mercantil, que poderiam dar enfoque diferente) é um festival de fossa.


O Estado de S. Paulo: “São Paulo tem a maior perda de participação no PIB”. O foco é na estagnação vivida em 2003, primeiro ano do governo Lula, quando foram sentidos os efeitos do tropeço econômico ocorrido durante a campanha eleitoral. Como se sabe, a economia de São Paulo é a que mais sofre em períodos de estagnação ou queda, e a que melhor aproveita as retomadas (os resultados de 2004 mostrarão uma evolução bem diferente, mas será preciso esperar até 2006).


Folha de S. Paulo: “São Paulo perdeu espaço no PIB nacional”.


O Globo: “Rio na lanterna do país”.


Jornal do Brasil: “Rio perde espaço no PIB”


Até se entende que a antiga Guanabara lamente os prejuízos que continua produzindo sua reinserção na Federação após a fusão com o antigo Estado do Rio.


Mas o tom é estreito em todos os jornais.


O material foi divulgado em entrevista coletiva durante a qual os técnicos do IBGE estiveram à disposição dos jornalistas para que eles entendessem mais e melhor o tema, mas são os números, parceiros do sensacionalismo em economia, que fascinam. Mesmo a divulgação oficial do IBGE paga um tributo a essa mentalidade sob o título ambivalente ‘Cai a participação do Sudeste no PIB e sobe a dos estados ligados à agroindústria’.


A TV Globo destoou positivamente. Ontem, no Jornal Nacional, sob o título “Participação dos estados mais ricos cai no PIB”, mostrou como essa queda se deve à abertura de novas oportunidades nos outros estados (perderam posição relativa São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul; os que mais cresceram foram Mato Grosso, Amazonas, Mato Grosso do Sul, os antigos territórios, Rio Grande do Norte e Paraná).


No início dos anos 90, Carlos Castello Branco, o maior comentarista político que já houve no Brasil, lamentou que o país estivesse se tornando “cada vez mais uma imensa periferia de São Paulo”. Felizmente, sua previsão estava errada.


Uma parte das dificuldades que São Paulo enfrenta – por exemplo, ter uma economia muito mais desenvolvida e poderosa do que o Rio de Janeiro e o Distrito Federal e ter renda per capita menor – é o preço histórico de sua pujança, que atraiu milhões de migrantes (e imigrantes) pobres durante boa parte da segunda metade do século passado. É claro que renda e educação não foram distribuídos aí equitativamente, mas o foram melhor do que na maior parte dos outros estados. Como os outros são muito mais pobres e expulsam população (a Bahia tem uma das maiores taxas de fecundidade do país e sua população se mexe muito lentamente), São Paulo paga um tributo à desigualdade nacional. O que está longe de querer dizer que todos os habitantes do território paulista o paguem na mesma proporção, ou em condições comparáveis. Como existe muita desigualdade interna, os ricos só constatam os problemas quando precisam transitar pelo espaço público.


Num quadro de crescimento geral, insista-se, é bom que as demais regiões ganhem importância em relação ao Sudeste.


No livro Por Uma Economia Política da Cidade (1994), o geógrafo Milton Santos, já falecido, escreveu que a Região Sudeste “ocupa 10,86% da área do Brasil, onde, em 1980, viviam 43,47% da população nacional. (….) A população economicamente ativa da região, que em 1983 representava 46,50% da PEA brasileira, é responsável por mais de 60% do PUB do país, ao passo que sua produção no setor secundário alcança 72,2% do total brasileiro. (….) A Região Sudeste reúne 62% dos pesquisadores, 65% das instituições de ensino e pesquisa, 66% das vagas oferecidas e 59% dos candidatos a ingressar em cursos superiores, 61% dos respectivos alunos e 65% dos formandos, assim como 74% dos programas de pós-graduação e 92% dos programas de doutorado”. E segue com muitos outros dados (páginas 21 e 22).


É esse statu quo que se desejaria conservar?