A internet não é só um ambiente onde acontecem diariamente mudanças revolucionárias. Ela está funcionando também como um laboratório para monitorar modismos, como nunca foi possível até agora.
Uma das características mais marcantes da rede mundial de computadores é a sua constante mutação, fruto de um fluxo permanente e acelerado de inovações tecnológicas.
Com isto, novas ferramentas, processos e sistemas ganham notoriedade instantânea, graças às mudanças que provocam na rotina dos usuários da rede. A febre de modismos na web parece interminável, como mostra a sucessão ininterrupta de casos como os do navegador Netscape, dos chats online, das páginas Web, do correio eletrônico, mensagens instantâneas, sites de relacionamento como o Orkut, jogos virtuais, o mundo dos avatares[1] (Second Life), a Web 2.0 , a mania dos vídeos (You Tube) e agora o novo modismo da computação em nuvem (cloud computing).
O que todos estes casos têm em comum é um período de auge, provocado pela promessa de mudanças revolucionarias nos hábitos dos internautas e perspectivas de grandes negócios. A mídia alimenta expectativas, surgem os mitos, em seguida multiplicam-se as decepções e o modismo agoniza, num ciclo cada vez mais curto.
O caso do mundo virtual Second Life, tratado pelo suplemento Link, do Estado de S.Paulo, mostra como um fenômeno aguça a curiosidade, gera uma corrida dos interessados em usar novidades para aparecer e depois perde seu apelo. A grande virtude do texto é distinguir o modismo do processo.
O modismo Second Life está com seus dias contados porque dificilmente conseguirá satisfazer as enormes e exageradas expectativas criadas pela imprensa e pelos chamados gurus da Web, mais preocupados com a visibilidade pessoal do que com a consistência de suas previsões.
Mas o uso da realidade virtual para projetos e processos de maior alcance está em ampliação, como prova o caso do Centro Cultural Bradesco. O centro desenvolvido por Gilson Schwartz, o criador do projeto Cidade do Conhecimento, da USP, promove cursos e debates sobre temas econômicos, filosóficos, tecnológicos e artísticos onde os participantes criam avatares para interagir com professores e palestrantes.
O estado de mudança permanente na Web cria o ambiente propício à sucessão de modismos, que tendem a se tornar corriqueiros e perder todo o seu apelo midiático. Em compensação o mesmo processo de mutação constante está na base de conceitos como o da modernidade líquida[2], desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Trata-se de uma busca de explicações para a crise dos chamados valores sólidos, típicos da sociedade industrial pela fluidez permanente das relações sociais, políticas e econômicas na chamada era pós-moderna. Para Bauman, a incerteza, imprevisibilidade e indefinição são as marcas registradas desta era de transição deflagrada pela internet.
Enquanto o Second Life perde seu apelo popular e se transforma em mais um ambiente virtual dentro da internet, começa a ganhar ares de modismo o fenômeno da computação em nuvem (em inglês cloud computing).
Trata-se de um novo modelo de computação onde o processamento de dados e informações deixa de ser feito em bases individuais para acontecer em rede, a partir de um conjunto de computadores interconectados. Nossos computadores deixarão se ser unidades processadoras isoladas para se tornarem meras ferramentas de acesso à internet.
Não precisaremos mais carregar nossos computadores pessoais com softwares, pois eles estão disponíveis na rede, o mesmo acontecendo com bancos de dados e serviços online. Este conjunto amorfo e mutável de computadores conectados em rede é o que se chama de cloud computing, a mais nova mania em ebulição na internet.
A idéia do compartilhar dados em rede é quase tão velha quanto a internet. A novidade é a corrida de grandes empresas como Google, IBM, MySpace e outras que estão se juntando para abrir seus bancos de dados e informações por meio de sistemas como o DataPortability.
Com algum exagero, poderia-se dizer que na computação em nuvem a propriedade exclusiva perde importância e as mudanças são tão constantes quanto o formato das nuvens.
Conversa com os leitores
Fiquei fora do ar durante 12 dias para recarregar baterias. Agora estou de volta. Desculpem por não ter postado um aviso, mas acontece que o lugar onde me escondi ainda não tem acesso à internet.
Correção
No sétimo parágrafo cometemos um erro. Estava escrito Cidade Virtual, quando o certo é Cidade do Conhecimento, como já foi corrigido.
[1] Avatar é um termo religioso indiano adaptado à era digital para simbolizar personagens virtuais criados por usuários da rede a partir de recursos tecnológicos como modelagem em 3D, animação e multimídia.
[2] O livro A Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman foi publicado em 2001 pela editora Jorge Zahar, do Rio de Janeiro.