As manchetes principais refletem a catarse que ontem tomou conta do país. O depoimento surpresa do publicitário Duda Mendonça está em todas as primeiras páginas dos jornais, refletindo a perplexidade que reverberou de Brasília. A monotonia das patranhas e mentiras que se renovavam a cada dia em três das CPI que assombram o governo foi quebrada pelo lance espetacular de mídia gerado justamente pelo homem que tornou o produto Lula palatável para 52 milhões de eleitores nas eleições presidenciais de 2002. Pela primeira vez, em quase três meses de crise, um fato extraordinário, que constava apenas da agenda do publicitário, pegou a mídia e o público de surpresa. O impacto das revelações trincou a blindagem que até ontem resguardava o mercado financeiro da crise política e moral. Trincou também – e definitivamente – a ilusão de muitos parlamentares e militantes históricos do Partido dos Trabalhadores. Em resposta à pergunta se haveria algum fato novo capaz de agravar ainda mais a crise e a situação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, os pagamentos efetuados pelo partido ao publicitário em paraísos fiscais mostrou que sim – aprofundando o buraco que ameaça tragar o governo. Por também ter sido pego de surpresa, a imprensa também ficou pregada nas imagens geradas pela TV Senado, no primeiro momento realmente em tempo-real da atual crise. Todas as atenções, agora, estão voltadas para as atitudes imediatas do presidente Lula. Seu tempo e espaço estão mais curtos do que jamais estiveram em toda a história que construiu, desde que surgiu no ABC, no final dos anos 70, como líder popular. Espera-se que Lula convoque ainda hoje uma cadeia de rádio e televisão para explicar-se ao país. De acordo com os indicativos do noticiário, ele irá se apresentar como alguém que foi traído por pessoas de sua confiança. Neste caso, sobrará principalmente para o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, elo mais visível que liga o PT a vários crimes de ordem fiscal e eleitoral. A oposição também tem uma batata quente nas mãos: a gravidade das revelações de Duda Mendonça, principalmente a que deixa no ar a dúvida de que parte da campanha presidencial foi paga com dinheiro ilegal, sustentaria a iniciação de um processo de impeachment. Ocorre, porém, que Lula não iria sozinho para o cadafalso, levando consigo o vice-presidente, José Alencar. Além de ter sido direta ou indiretamente beneficiário dos pagamentos efetuados nas Bahamas, o PL, partido de Alencar, também freqüentou a lavanderia de Marcos Valério e pode estar mais implicado do que se imagina na ‘operação Taiwan’ denunciada por Maria Cristina Mendes Caldeira, ex-mulher do presidente do PL, Waldemar da Costa Neto – o que renunciou para tentar voltar nas eleições do ano que vem. Na linha de sucessão prevista pela Constituição, a cadeira de Lula seria ocupada pelo presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) – o que também provoca calafrios à direita e à esquerda pelo que poderia acontecer se o poder lhe caísse nas mãos. A catarse ainda não purgou completamente. A participação da imprensa nos próximos dias será essencial para a garantia da ordem institucional. Não se afasta a possibilidade de eclosão de manifestações em vários pontos do país a favor da permanência de Lula, contra seu afastamento da Presidência. A responsabilidade cresceu como nunca desde os fatos de ontem, e mais do que nunca a imprensa terá de ater-se aos fatos, sem descrição de histórias mirabolantes e diálogos impossíveis de serem checados, trazidos a público por fontes que se escondem no anonimato, cuja única finalidade política é carregar a paisagem com tintas ainda mais escuras do que as da realidade.