A escolha do personagem do ano da Time transformou-se, na edição atual, num estudo de caso sobre pesquisas de opiniões pela internet e uma bela polêmica sobre as inevitáveis surpresas da democratização online. A revista norte-americana ficou numa tremenda saia justa porque a escolha final tomada pelos editores foi diferente da apontada pela pesquisa com o público. Os editores decidiram eleger o cidadão comum , o protagonista central da chamada Web 2.0 ou Web social, como o personagem mais marcante de 2006, enquanto o público deu 36% dos votos ao presidente venezuelano Hugo Chaves, 21% ao seu colega iraniano Mahmoud Ahmadinejad enquanto o site YouTube (que representou o internauta comum) ficou empatado em terceiro lugar com 11% dos votos com Nancy Pelosi, a provável nova presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos. O YouTube é formado por imagens enviadas por qualquer pessoa e que recebe diariamente cerca de 65 mil videos e 20 milhões de visitantes mensais. O problema é que a Time não mencionou em nenhum momento de sua reportagem de capa o fato de Chavez ter ficado em primeiro lugar na votação online. O máximo que o presidente venezuelano obteve da revista foi ter sido incluido entre os autores das frases do ano ( ‘Isto aqui cheira a enxofre, mas Deus está conosco’ , ao falar logo depois de George W. Bush no plenário da ONU). Existem dezenas de motivos para discordar do resultado final da pesquisa, mas a revista pisou na bola ao ignorá-lo olimpicamente, porque isto contradiz a justificativa que ela própria deu para a sua escolha quando afirmou textualmente na principal matéria da reportagem de capa:’ …., ao patrulhar a mídia mundial, por fundar e formatar uma nova democracia digital, por trabalhar de graça superando os profissionais em seu próprio jogo, o Personagem Time do Ano de 2006 é você’. A Time pagou o preço da socialização da Web, porque na medida em que se abre a comporta da participação popular é impossivel prever o que acontecerá porque os veículos de comunicação perderam o contato com o público e relutam em reconhecer esta distanciamento, como mostraram vários comentários postados pelos leitores do Código Aberto. A votação obtida por Chavez foi o resultado de uma campanha de varios blogueiros e grupos políticos dentro e fora dos Estados Unidos, como pode ser visto em blogs como o Canadian Observer . Este é apenas um exemplo, existem outros. Cientificamente, as pesquisas online estão longe de serem qualificadas como um espelho fiel da realidade. Elas no máximo podem funcionar como uma janela através da qual um segmento do público pode expressar sua opinião. Mas já que a Time decidiu usa-la, o mínimo que poderia fazer era publicar o resultado, e não oculta-lo num link , que só se tornou conhecido porque os blogueiros de esquerda o divulgaram. Mas o problema é mais amplo do que um erro editorial ou uma pisada de bola política. O episódio lança uma nova luz sobre os dilemas da imprensa ao defrontar-se com as consequências da Web 2.0. A transformação do cidadão comum em parceiro dos profissionais no processo da informação está apenas começando e provavelmente ainda haverá muitas outras surpresas.