Os dois últimos filmes lançados sobre a guerra no Iraque foram muito além da contabilidade macabra dos mortos em atentados com carros-bomba ou das imagens chocantes de iraquianos mutilados e mulheres desesperadas neste país árabe invadido pelos Estados Unidos, em março de 2003.
Os filmes Leões e Cordeiros (Lions for Lambs) e No Vale das Sombras (In The Valley of Elah) debruçam-se sobre a vergonha íntima e a crescente desilusão de boa parte dos americanos com uma guerra que eles começam a renegar.
Não são produções alternativas de orçamento barato. São películas interpretadas por atores do primeiro time de Hollywood, com orçamentos generosos, mas com um objetivo crítico claramente delineado da primeira à ultima cena.
Mas se trata de uma crítica que vai além da retórica pacifista. Ela procura mostrar como um número cada vez maior de norte-americanos já não consegue mais conviver com a convicção de que seu país se tornou um promotor de atrocidades e, mais do que isto, uma nação cujos dirigentes estão destruindo, material e moralmente, uma geração inteira.
Leões e Cordeiros é uma narrativa não-linear de três conversas que desnudam três realidades diferentes da guerra no Afeganistão: o diálogo entre uma jornalista e um senador norte-americano mostra a cumplicidade de ambas instituições na produção de uma ficção política sobre o desenrolar da invasão; uma perturbadora discussão entre um professor universitário e um aluno sobre o imperativo moral de fazer algo; e o derradeiro desabafo de dois jovens soldados (um negro e um hispano) sacrificados durante uma operação fracassada, organizada por burocratas militares em Washington.
É impossível sair do cinema sem a incômoda sensação de que se trata de uma guerra inútil, sem vencedores, na qual as principais vítimas são jovens que, se regressarem, terão perdido quase todos os seus ideais. No Vale das Sombras é ainda mais implacável ao desnudar o fenômeno da perda de valores e esperanças, com a agravante de que amplia a análise para os veteranos de outras aventuras bélicas norte-americanas.
O filme estrelado por Tommy Lee Jones, é baseado em fatos reais, e mostra luta de um pai, veterano do Vietnam, em esclarecer a morte de mais um filho em conseqüência da guerra no Iraque. A narrativa é pesada e lúgubre porque mostra a crescente desilusão de um americano típico com o seu exercito e a trágica constatação de que seu filho foi transformado num delinqüente torturador e viciado.
O rapaz foi morto a punhaladas por um colega de farda no auge de uma discussão fútil, depois esquartejado e queimado por outros companheiros, num crime que seus superiores tentaram ocultar, mesmo sabendo que o pai da vitima era um ex-sargento do exército que já havia perdido um filho, também militar.
O que impressiona é o fato de o cinema ter sido capaz de mostrar em 90 minutos uma realidade que a imprensa diária, jornais, rádios e televisão simplesmente não aborda. Mostrar principalmente a sensação de vergonha, da vontade de esquecer, ou de simplesmente apagar, algo que já começa a tirar o sono de muitos sobrinhos do Tio Sam.
A imprensa parece que simplesmente decidiu esquecer o Iraque e só dá noticias quando alguma bomba mata mais de 100 pessoas. A chacina diária já não dá mais manchete e os jornais perderam a sensibilidade para os horrores em curso tanto no lado iraquiano como entre as tropas invasoras.
A mídia brasileira segue o padrão da norte-americana e a guerra entrou no rol das coberturas burocráticas, com menos emoções do que o pregão da Bolsa de Valores. A imprensa tem todas as ferramentas para despertar da letargia que ela mesma provocou na opinião pública, mas perdeu para o cinema o papel de consciência crítica nesta guerra que provavelmente vai entrar para a história como uma das mais sujas dos anais militares.