Ancelmo Gois conta na entrevista abaixo como surgiu sua nova coluna na internet. Ele diz que blogues de políticos são bons para a democracia, mas não podem ser confundidos com trabalho jornalístico, que pressupõe busca de equilíbrio. E se mostra magoado com as baixarias feitas na rede durante a campanha do referendo sobre as armas, em 2005: “Nem havia blogue ainda, mas o que eu recebia de e-mails xingando a minha mãe porque eu era contra o comércio de armas era algo horripilante. Mas, enfim, melhor isso do que o silêncio dos regimes de força”.
A entrevista foi feita no dia 23 de março.
Como foi sua volta à internet?
Ancelmo Gois – O meu reino não é desse mundo da internet. É do papel. Ao mesmo tempo, a internet cresce numa explosão muito grande, e ao mesmo tempo crescem as dúvidas sobre ela. Ninguém sabe onde esse negócio vai parar, qual é a lógica financeira e a credibilidade desse negócio. Até porque o que faz mais sucesso são sites que têm a marca de alguma grande empresa do papel: é o site do Wall Street Journal, é o UOL, que tem uma costela da Folha… É um pouco a internet beliscando a credibilidade do papel, como a televisão já fez no passado. A televisão suou muito a camisa para ter credibilidade própria, chupava a credibilidade do pape. Mas esse é um mundo novo, aparentemente irreversível, e não dá para ficar fora.
Eu, de alguma maneira, pelo menos do ponto de vista do jornalismo, no Brasil, sou um dinossauro, porque eu deixei a Veja num projeto com um grupo de colegas jornalistas, entre eles Marcos Sá Corrêa, Flávio Pinheiro, Kiko Brito, e criamos o No [que sobreviveu como No mínimo], tentativa de fazer no Brasil uma versão de uma revista que faz grande sucesso no mundo virtual americano, a Slate. Ficamos lá uns 500 dias, depois houve o estouro da bolha da internet, todo mundo quebrou, todo mundo saltou fora, e eu tive que saltar fora e voltar para o papel.
Agora estou voltando para a internet meio obrigado. Não que não seja prazeroso, mas é obrigado. Porque o Globo tem investido no jornalismo online de maneira muito expressiva, a ponto de ter inclusive contratado o jornalista Ricardo Noblat, que é de longe um dos cases de maior sucesso na internet no segmento do jornalismo político. Procurou trazer também a pobre da Míriam [Leitão] para a internet. A Míriam já é uma grande jornalista multimídia do Brasil, porque a Míriam está no rádio, está na televisão a cabo, está na TV aberta, está no papel – ela também tem hoje um blogue, embora não seja blogue, eu acho que é mais site. Eles também me impuseram essa coisa. A gente resolveu partir para um projeto voltado para a notícia, mas voltado para o Rio. O Globo Online tem algumas algumas âncoras na linha da política, como é o caso do próprio Noblat, como vai ser o caso do [Jorge Bastos] Moreno – Moreno vai voltar fazendo uma espécie de TV Moreno, um projetinho das Organizações Globo de botar o Moreno entrevistando um político por dia em Brasília, projeto tecnologicamente avançado. Tem a Míriam, que faz economia, e a parte que meu coube nesse latifúndio, de maneira muito prazerosa, foi fazer uma coluna de notícia, mas uma coluna ao jeito carioca, e celebrando muito o Rio tanto na sua parte de beleza como de caos, para usar a letra da música da Fernandinha Abreu.
Estamos fazendo um site da Turma da Coluna, tem uma equipe própria, tem um jornalista experiente, que é o Aydano Motta, editor full-time desse site, mas participa também a chamada Turma da Coluna, que é todo mundo aqui, Marceu Vieira, Márcia Vieira, Ana Cláudia [Guimarães]. Além disso, agregamos todo mundo que você puder imaginar. O Aloizio Maranhão, editor de Opinião do Globo, escreve nesse site sobre música, que é um dos xodós dele. O editor de Esporte, Toninho [Antonio Nascimento], escreve sobre o Grajaú, é o Toninho do Grajaú. O [Orivaldo] Perin, jornalista veterano, muito bom, escreve uma coluna chamada Perin de Niterói. É um site, eu diria, bairrista, mas com muito orgulho.
Quando entrou na rede?
A.G. – Nós começamos no Carnaval, com uma superprodução para escolher a Mulata do Gois, fizemos uma votação, achamos que o Carnaval era um bom momento para começar porque tinha muito a ver com o Rio. Está indo muito bem, estou animado.
Qual é sua opinião sobre os blogues de políticos?
A.G. – Tem duas sensações. Uma boa e outra ruim. A boa é que é bom, é muito bom para o país, para a democracia, que todo mundo tenha um microfone. No dia em que todo mundo tiver um microfone, eu acho que o Brasil será mais democrático. Nesse sentido, eu acho legal que todo político faça seu blogue. Agora, esses blogues – e aí é o perigo –, como é um mundo novo, um mundo em formação, ainda não sedimentado, eles entram parecendo que é um produto jornalístico. E evidentemente que não é um produto jornalístico do ponto de vista da concepção de jornalismo que a gente conhece. É evidente que você pode ter um jornalismo partidário, um jornal de partido, mas o meu medo é esse, que eles, de certa maneira, eles entram numa área – não é que eles não estejam preparados para entrar nessa área, mas é uma área que procura preservar um mínimo de equilíbrio e é evidente que você não pode pedir equilíbrio a um político, porque é legítimo que ele não seja uma pessoa equilibrada, é legítimo que um político seja uma pessoa com opiniões muito fechadas. Num blogue desses não tem o outro lado, nada. Mas, de um modo geral, é bem-vindo, eu acho bom.
Até porque o cidadão que não concorda pode se expressar. A menos que comecem a vetar opiniões contrárias…
A.G. – Eu acho que esse negócio da liberdade na internet… É bom ter a turma xingando, falando mal da gente, mas realmente… me assusta muito o jeito com que algumas pessoas entram, me agride muito.
A mim também.
A.G. – Eu acho covarde. Porque é alguém que xinga sua mãe que você não vê a cara dele, às vezes ele está escondido atrás de um outro nome. Acho uma covardia. E vi isso principalmente na ocasião do referendo das armas [2005]. Nós, aqui, de boa fé éramos a favor de que se proibisse o comércio. De boa fé, estávamos achando que o comércio de armas não é um bom negócio. Nem havia blogue ainda, mas o que eu recebia de e-mails xingando a minha mãe porque eu era contra o comércio de armas era algo horripilante. Mas, enfim, melhor isso do que o silêncio dos regimes de força.