A imprensa decerto não tem culpa pela confusão armada na tenda do governo neste pós-CPMF. Mas tem – e muita – quando confunde o leitor.
Uma notícia o levar a crer que o Planalto pensa fazer isso, mas não aquilo, para reduzir o estrago nas suas contas. Outra notícia, no mesmo dia e até no mesmo jornal, informa que se pretende fazer aquilo, mas não isso.
A imprensa deixa o leitor com cara de espectador de partida de tênis porque não registra, em nenhuma de tais matérias, ou numa nota à parte, esclarecedora e destacada, as contradições em que tropeçam os governistas na corrida atrás dos prejuízos.
Já nem se pede, por inútil, que os repórteres voltem cada qual às suas fontes para confrontá-las com as declarações em sentido contrário dos seus companheiros de governo. Um dia, quem sabe, a gente chega lá.
Mas num caso – o mais agitado entre o sábado e hoje -, a confusão ficou exclusivamente do lado de lá do balcão.
E ficou por conta, de cabo a rabo, do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Numa entrevista aos repórteres Sonia Racy e Gabriel Manzano Filho, que o Estado daria uma página inteira no sábado, ele anunciou “para semana que vem” a criação de um “tributo permanente, todo voltado para a saúde e que não tenha de ser rediscutido […] sobre movimentação financeira. Porque, se não, não teremos como controlar a sonegação’.
No sábado, o ministro tomou a iniciativa de dar novas entrevistas – à própria Sonia Racy, à Folha e o Globo, para negar: 1) que seria uma nova CPMF; 2) que viria por medida provisória, como tinha saído, mas por emenda constitucional.
O primeiro desmentido é bizantino. Em relação ao tributo que o Senado extinguiu, o novo teria de diferente o nome e, talvez, a alíquota. Mas iria para a Saúde, como na derradeira e rejeitada proposta do presidente Lula à oposição, e incidiria sobre movimentação financeira, como o falecido imposto do cheque sempre incidiu.
O segundo desmentido envolve uma sutileza. Mantega não disse, de fato, que o futuro imposto viria por medida provisória. Quem disse, perguntando, foi um dos repórteres. Ao que o ministro respondeu:
“É uma fórmula que exige maioria simples no Congresso.”
Ou seja, sem falar explicitamente em MP, ele explicou por que a “fórmula” é mais vantajosa. Vá ao leitor ao começo da entrevista e lerá Mantega dizendo, a propósito da derrota do governo, que “se for um medida constitucional, a chance de perder o maior”
Não é nem preciso somar dois com dois.
Estranhamente, porém, ao contestar a contestação de Mantega, o Estado de hoje, em vez de transcrever pergunta e resposta no caso da medida provisória, diz que “a idéia foi mencionada pelo ministro”. O certo seria lembrar que o ministro, sem responder diretamente à pergunta, disse que as MPs são mais convenientes para os governos – se não, por sinal, não teriam sido criadas, ora, pois.
À imprensa, Mantega também tinha falado na hipótese de cortes no PAC. Levou uma chamada do chefe, por causa de uma coisa e outra.
A derrapada do ministro e o chega-prá-lá do presidente tiraram o foco da questão que está na base deste comentário: a imprensa que se confunde com as confusões do governo e as repassa ao pobre do leitor. Se, involutariamente, Mantega acabou deixando um jornal com a cara limpa, isso não é motivo para esquecer as quebradas de cara da mídia na cobertura do que pode vir por aí, agora que a CPMF foi para o vinagre.