Então ficamos assim: existem os maus do mal e existem os maus do bem.
Os maus do mal são os Dirceus, Delúbios, Silvinhos: contra eles todas as denúncias são válidas por definição. O caráter, a folha do corrida dos denunciantes não tem a menor importância: Roberto Jefferson é um herói, um paladino da moralidade pública.
Quando eles são levados ao cadafalso, ninguém põe a boca no mundo para dizer: devagar com andor, cadê as provas?, todo mundo é inocente salvo prova em contrário…
Exatamente os argumentos, cuja hipocrisia pode ser detectada a muitos quilômetros de distância, que desabaram hoje sobre os perplexos brasileiros, assim que um procurador paulista informou à imprensa que Rogério Buratti, ex-secretário da Prefeitura de Ribeirão Preto na gestão Antonio Palocci, acabara de revelar que o atual ministro da Fazenda recebia da concessionária da coleta de lixo na cidade, a notória Leão Leão, R$ 50 mil mensais, que ele, Palocci, repassava diligentemente e integralmente ao companheiro-tesoureiro Delúbio.
Ah, mas onde já se viu? Esse procurador é um trêfego, um irresponsável, um petista ultra-radical a fim de detonar a política econômica que é a única coisa que presta no governo Lula. Com a sua conduta temerária e ilegal, derrubou a Bolsa e propeliu o dólar e o risco-Brasil.
E, de mais a mais, quem é esse Buratti, preso por tentar destruir provas de suas malfeitorias, e que fez o acordo da tal ‘delação premiada’, para que se acredite nas suas acusações contra o homem que devolveu ao Brasil a confiança do mundo?
Houve ainda quem sugerisse que ele está é querendo se vingar do antigo chefe porque se julga abandonado ou até por motivos que é melhor nem detalhar, porque entram na categoria do que os franceses chamam ‘histoire de c…’
Assim é: os maus do bem, como o doce doutor Palocci, antítese escrachada do satânico stalinista Dirceu, já nascem blindados. Não por seus belos olhos, naturalmente, mas porque se imagina que se os seus podres também vierem à tona, como vieram os de seus desafetos no PT e no governo, vamos todos afundar junto com o nosso rico dinheirinho, investido, direta ou indiretamente, em títulos da dívida pública.
O presidente Lula jura e torna a jurar que nada nem ninguém será perdoado por participar da corrupa que se instalou sob o seu governo (ou nariz, se se preferir). Os seus adversários cobram e tornam a cobrar a punição cabal dos maracuteiros.
Mas ele, que tentou barrar a CPI dos Correios, há de ter comemorado a decisão da mesma comissão de não ouvir o seu ex-procurador Paulo Okamotto, o presidente do BC, Henrique Meirelles,e o doleiro Toninho da Barcelona.
Já os catões da ética na política – deitando falação nos partidos de oposição, na mídia, nas entidades empresariais e no todo-poderoso Mercado – são os primeiros a cobrar calma, cautela, prudência, moderação, circunspecção (e nada de pré-julgamentos, ainda por cima sem provas), quando Santo Antonio Palocci fica ameaçado de ir para o cepo.
Ninguém, salvo os carbonários, quer ver o circo pegar fogo. Mas não se pode pregar com ardor e indignação, às terças, quintas e sábados, o justiçamento dos que produziram a esbórnia com o que não lhes pertence, e fazer o apostolado da leniência às segundas, quartas e sextas, invocando o interesse nacional, em relação àqueles outros contra os quais também há indícios de terem lesado o público pagante.
Não sei o que machuca mais: os escândalos em si, ou o duplo padrão de tratamento dos que neles estão envolvidos. Na base do ‘aos amigos, tudo, aos outros as duras penas da lei’.