Na mesma fatídica sexta-feira em que o advogado Rogério Buratti deu com a língua nos dentes, o presidente Lula foi jantar com 25 pezzinovante da indústria brasileira.
O prato de resistência oferecido por ele ao baronato industrial foi “Palocci fica”, informa na Folha de hoje o colunista Guilherme Barros. Ou, segundo a colunista Sonia Racy, do Estado, “aconteça o que acontecer”, a política econômica fica.
Devagar com o andor. É cedo para os adeptos do paloccismo – essencialmente, rigor fiscal mais juros altos – saírem soltando rojões. É cedo também para os seus detratores afundarem de vez na depressão em que se encontram.
A primeira questão que só o tempo responderá é: Palocci fica como? Em mais palavras, quanta bala de agulha ele terá doravante para resistir às renovadas pressões, dentro e fora do governo, dentro e fora do PT, pelo afrouxamento do garrote fiscal?
É bem verdade que Lula crê no paloccismo com o fervor dos convertidos. Ele credita ao ministro que foi o coordenador de sua campanha presidencial e o seu principal representante no processo de transição de governo o que de melhor tem a apresentar em matéria de números sobre o desempenho da economia nacional.
Não há o mais remoto indício de que dê a devida importância à conjuntura internacional, extremamente favorável ao crescimento econômico brasileiro. Muito menos ao argumento dos críticos de que, por causa do paloccismo, esse crescimento é uma mediocridade, inferior aos dos países ditos emergentes, com os quais o Brasil deve ser comparado, como a Índia, a Rússia e, naturalmente, a China.
Antes mesmo de Buratti, Lula contrariou Palocci
Mas, se ficar reduzido à condição de pato manco (lame duck), como os americanos se referem aos políticos que continuam onde estão, mas impotentes, ou semi, é certo como a noite depois do dia que aumentará o fogo, que não tem nada de amigo, contra ele, vindo em primeiro lugar do PT, onde a política econômica é um dado central na luta pelo poder depois da era Dirceu.
Talvez muita gente não tenha prestado atenção, mas, apoiado entre outros pela sucessora de Dirceu na Casa Civil – um dado a levar em conta – Lula cortou as asas da intenção de Palocci de elevar para 5% do PIB, em vez dos atuais 4,25% o famoso (ou infame) superávit fiscal (receitas menos despesas, descontados os juros pagos). Do jeito que está já está bom, decretou o presidente.
E isso foi antes de Buratti apontar o dedo para o seu antigo chefe.
Um Palocci enfraquecido significará a abertura do sinal verde para todos quantos interessados em dizer a Lula que a inflexão da linha econômica é essencial para vitaminar as condições políticas de que dependem as suas chances reeletorais. Ela não só motivará o PT a ir para luta com outro ânimo, como ainda será um forte chamariz para o que o presidente mais quer na vida reeleitoral: atrair o PMDB.
Além disso, como está no fecho do editorial do Estadão de hoje, “não se pode imaginar que Palocci conduza o Ministério da Fazenda sendo a cada momento chamado a depor em CPIs e outras investigações.
Agora, a segunda certeza que é menos certa do que parece: Palocci sai, é substituído por um Murilo Portugal ou assemelhado, que esteja para Palocci como este para o seu antecessor Pedro Malan, e a política econômica permanece blindada.
É o que acham os economistas e empresários entrevistados pelo repórter Marcelo Billi para a matéria “Modelo resiste sem Palocci, dizem analistas”, da Folha de hoje.
A miopia dos tecnocratas
“Cabeças de planilha”, como os chamaria o colunista Luis Nassif, também da Folha, dizem que o cenário externo positivo e, principalmente, a “falta de alternativas” garantem a sobrevivência do paloccismo sem Palocci.
Eles não estão necessariamente errados – mas correm o risco de estarem mais errados do que certos. Porque a sua visão tecnocrática impede que enxerguem, além da política econômica, o ambiente político que se respira no governo, de que aquela depende.
Política econômica – como qualquer outra, porém mais ainda – não é uma fórmula que, uma vez merecedora do bater do martelo de presidentes ou primeiros-ministros, se auto-aplica e se perpetua, seja quem estiver no seu comando.
Um número imenso de decisões de governo tomam ou deixam de ser tomadas conforme a ascendência do ministro da Fazenda sobre o chefe de Estado. E é bom não esquecer que a conjuntura ampliou enormemente o papel político de Palocci. Hoje ele e o colega Marcio Thomaz Bastos, da Justiça, são os mais iguais entre os iguais que formam o chamado Gabinete da Crise.
Dois ministros da Fazenda podem ter o mesmo pensamento econômico. Mas dificilmente terão o mesmo cacife político, nas suas relações dentro do governo, com os políticos, o tal do mercado e a sociedade.
Isso pesa mais até do que os supostos méritos e eventuais resultados da política econômica. O malanismo sobreviveu – até ao ministro Pedro Malan – não só porque Fernando Henrique lhe deu carta-branca. Mas porque ele ficou do primeiro ao último dia dos oito anos de seu governo.
O fator ‘confiança pessoal’
E ficou porque tinha reunido as condições políticas para tanto, a começar da confiança pessoal de um presidente que era e é mais amigo de quem mais tentou puxar o tapete de Malan, o “desenvolvimentista” José Serra.
Já se disse muitas vezes, e a idéia não é de jogar fora, que se o hoje prefeito de São Paulo tivesse sido eleito presidente, a política econômica seria mais próxima dos sonhos do PT do que a do companheiro Palocci. Mesmo porque ele não precisaria provar aos mercados que não ía dar o calote na dívida.
A julgar pelo que deram os jornais do fim da semana, o único a chamar a atenção para a diferença entre ministro da economia e política econômica foi o americano John Williamson, que entrou para a história por ter inventado a expressão “consenso de Washington”.
Ouvido pela Folha, foi ao nervo do problema. “Mesmo que outra pessoa indicada para o lugar de Palocci tenha as mesmas idéias”, argumentou, “não está claro se seria alguém com a mesma competência, e certamente seria improvável que ele comandasse com o mesmo peso político que Palocci veio a ter”.
E paro por aqui porque Palocci está começando a falar.