O melhor do dia, no noticiário político dos jornais, é a coluna de Raymundo Costa no Valor [só para assinantes].
É uma instrutiva conversa do colunista com o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, um dos 5 petistas que, para frustração de Lula, renunciaram à renúncia aos seus mandatos e resolveram encarar processo no Conselho de Ética por terem se abastecido no valerioduto.
A conversa é instrutiva porque permite saber, talvez entender, como é que essa história toda de corrupção funciona na cabeça de um coroado deputado petista.
O problema, para ele, “é de origem política, não é de natureza ética”.
A distinção é especiosa, mas deixa para lá. O que ele entende por origem política foi a decisão de fazer em 2002 uma campanha para eleger Lula diferente de todas as anteriores [1998, 1994, 1989].
João Paulo não diz, mas a decisão foi antes de mais nada do próprio Lula. Depois de três derrotas, ele impos ao partido condições, digamos, heterodoxas, para aceitar a quarta candidatura. O PT tinha que fazer alianças fora do gueto da esquerda, entregando o lugar de vice na chapa a alguém dos novos aliados. Por fim, o marqueteiro tinha de ser Duda Mendonça. E seria ofender o agora presidente supor que ele não soubesse quanto Duda cobra por seu trabalho.
Uma coisa leva à outra. Nas palavras de João Paulo: “No momento em que você foge de seu padrão tradicional de campanha e opta por uma comunicação e uma política de alianças mais ousados” – gosto muito desse “mais ousados” –, “é evidente que o padrão de arrecadação também muda”.
O certo seria ele dizer “o padrão de arrecadação também fica mais ousado”. Mas passemos.
“A avaliação dos erros cometidos, portanto, tem de ser feita do ponto de vista político”, argumenta o deputado. O subtexto, como dizem os acadêmicos mais pedantes, é que política é política, ética é ética, e uma coisa jamais se encontrará com a outra. Ou, repetindo João Paulo, “portanto”.
Encarando o grande paradoxo
À parte isso, ele vai abertamente ao nervo do problema que os petistas, tirando os chamados “radicais”, não gostavam de tratar, muito menos em público, antes de serem obrigados a encarar os fatos da vida.
O problema, ou o paradoxo, como diz João Paulo, é que sem as tais “ousadias” Lula talvez não se elegesse de novo. [Lula tinha certeza disso.]
“Quem avalia se estava certo ou não?”, pergunta o deputado, sem um pingo de retórica. Primeiro, a militância. Depois, o eleitorado, responde. Portanto, a avaliação virá, primeiro, na campanha de 2006. Depois, nas urnas.
O que me faz arriscar duas previsões. Uma: se nenhum escândalo novo desabar sobre a pessoa do presidente, pondo tudo de pernas para o ar, a militância que não tiver se mudado para o PSoL irá para as cabeças com ele. Outra: ganhando ou perdendo, Lula receberá do eleitorado menos votos do que em 2002. E o PT, muito menos ainda.
“Por que eu deveria renunciar?”, pergunta João Paulo, em dado momento, dessa vez retoricamente. “Eu não roubei, não usei dinheiro público, não quebrei o decoro parlamentar.” Ele diz ainda que não recebeu dinheiro para votar com o governo, fazer caixa 2 ou intermediar nomeações em estatais.
Registre-se a sua versão. Mas, sobre “dinheiro público”, registre-se igualmente o que diz no Estado de hoje o cassável José Janene, líder do PP na Câmara.
Começa assim: “Quem nos colocou nessa situação difícil foi o PT e agora é o PT que terá de responder pela origem do dinheiro que nos foi repassado e não nós.”
E termina assim: “Acreditamos neles. Nunca poderíamos imaginar que um dia colocariam o dinheiro do PT sob suspeita.”
Antes de ficar “mais ousado”, como diria João Paulo, o PT nunca poderia imaginar que um dia um pepista ousasse dizer isso dele.
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