No texto anterior (ver “Mais perdido que leitor de jornal”) foi iniciada uma análise da maneira como as pessoas captam uma notícia e como uma confusão entre os conceitos de dado e informação acaba contribuindo para aumentar a desorientação dos leitores, provocada pela avalancha informativa.
É um tema complexo, mas importante porque sua compreensão ajudará a reduzir os efeitos de outro problema, a “guerra da informação”, na qual já estamos metidos – basta ver a polarização da opinião pública depois das eleições presidenciais e agora com o escândalo da Petrobras.
Jornais publicam informações, mas nós, leitores, devemos recebê-las como dados, ou seja, o que importa para nós é avaliar o dado antes de emitir uma opinião. Uma notícia é um tipo especíifico de dado, caracterizado pelo ineditismo para quem a recebe. Uma notícia deve ser verificada, contextualizada, atribuir significados etc.
Uma informação você aceita ou não, e pronto. Da mesma forma que você não é obrigado a gostar de todos os tipos de músicas, você não é obrigado a aceitar todo tipo de informação publicada pela imprensa porque ela é um dado trabalhado por alguém, portanto não é um espelho fiel de realidade, por mais experiente e capacitado que seja o jornalista que a produziu.
Uma informação jornalística é no máximo é uma tentativa de descrição, de representação, que pode ser boa ou ruim, que pode agradar ou desagradar, assim como uma música pode agradar ou desagradar e nem por isso você hostiliza o músico. Quem faz a informação somos nós, e não o jornal. O jornal produz a informação dele que nós captamos como notícia (dado inédito), assim como reagimos diante da previsão do tempo.
O meteorologista não pode ser criticado porque anunciou chuva para o fim de semana. Para alguns a previsão incomoda porque esperavam ir à praia, mas para outros o tempo chuvoso pode ser uma dádiva dos céus, como para os moradores das regiões sob o efeito de secas prolongadas. O significado atribuído à previsão de chuva depende do leitor e não do meteorologista, e cada leitor desenvolve o seu próprio significado.
Outra coisa importante: muitos acham que para não se irritar com notícias que não gostam, o ideal seria ler só os jornais (ou sites, ou blogs) com os quais simpatiza ou compartilha opiniões. Tudo bem, esta é uma atitude muito comum, quase uma regra, mas um dos mais renomados pesquisadores da opinião pública, o norte-americano Cass Sunstein, adverte: quanto mais uniforme for a opinião de um grupo de leitores, maior a tendência à xenofobia, sectarismos e discriminações.
Sunstein escreveu quatro livros a respeito do tema sobre o qual realiza pesquisas de campo desde 1990. O mais conhecido é Going to Extremes, publicado em 2009. Assim, quando só lemos um mesmo jornal durante muito tempo, acabamos conhecendo apenas a versão deste jornal sobre o que acontece ao nosso redor e no resto do mundo. Como todos sabemos, um jornal não consegue dar conta da complexidade do mundo em que vivemos – ainda mais agora, na era digital, quando milhões de pessoas passaram a publicar informações cada uma delas respondendo a um contexto específico e a uma forma personalizada de ver um fato, número ou evento.
Todo o material sobre a operação Lava Jato que está sendo publicado pelos jornais ou divulgado pela televisão deve ser visto como uma massa de dados que o leitor ou telespectador deve analisar, checar e contextualizar antes de tomar uma posição e difundi-la para outras pessoas. Assumir o noticiário como a essência da verdade é ignorar a realidade dos fatos, porque cada número, cada evento, declaração ou fato registrado assume significado somente quando o leitor ou telespectador o situa em seu contexto pessoal.
É claro que o leitor comum não tem condições de conhecer todas as circunstâncias de um depoimento, se foi espontâneo, se foi obtido sob tortura ou se foi resultado de uma transação (delação premiada, por exemplo). Uma mesma frase assume significados diferentes conforme o contexto em que foi pronunciada. O mesmo acontece com números, denúncias, suposições e ilações produzidas por repórteres, policiais, políticos, economistas e formadores de opinião. Todos têm sua agenda pessoal, interesses que podem ou não ser os mesmos do leitor, ouvinte ou telespectador.
A tendência quase espontânea das pessoas é assumir posições, tipo a favor ou contra. O problema é que isso leva a uma simplificação da realidade, o que é um sinônimo de irrealidade. O sectarismo é uma simplificação da realidade política, que se não for compensada pela diversificação de percepções acaba levando a conflitos violentos, como golpes de Estado ou rebeliões.
O professor Cass Sunstein, que não é nenhum esquerdista (é assessor de Barack Obama), afirma que quando pessoas da mesma opinião só conversam entre si, a tendência identificada em dezenas de grupos focais é de que se tornem cada vez mais radicais nas suas opiniões. Como este processo ocorre tanto entre os que são contra como entre os que são a favor da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, não é difícil prever que não vai demorar muito para que o sectarismo ganhe intensidade e, se não for identificado a tempo, poderá gerar situações irreversíveis.
Mais do que em qualquer outra conjuntura política pós-redemocratização do Brasil, a leitura crítica e analítica dos dados publicados na forma de informação pela imprensa torna-se o antídoto da “guerra da informação”. O Observatório da Imprensa pratica e promove desde a sua fundação, há 18 anos, a leitura crítica da mídia jornalística.