A Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados quer entender qual é o papel da mídia na relação entre a sociedade e o parlamento. Deveria, antes de mais nada, procurar esclarecer na própria Câmara por que, em desacordo com a Constituição, tantos deputados são detentores de concessões de rádio e televisão. Essa mensagem foi transmitida ao presidente da Comissão, deputado Geraldo Thadeu, do PPS de Minas Gerais, e aos demais deputados presentes, no painel matutino do seminário nacional Cidadania, Mídia e Política, que ele organizou.
O Observatório da Imprensa foi convidado a participar do seminário e coube-me representá-lo. Eis o texto que li na reunião:
“A primeira grande questão diz respeito ao déficit de credibilidade do Congresso nos dias de hoje. Os sinais disso são tão evidentes que não é necessário comprovar ou ilustrar a afirmação. Mas nós nos iludiríamos muito se imaginássemos que a cobertura da imprensa, as informações e análises (poucas) que ela oferece são suficientes para que tenhamos um bom diagnóstico e propostas realistas de melhoria desse quadro.
Para começar, só uma pequena parte dos meios de comunicação se dispõe a fazer uma cobertura desassombrada do assunto. Mais ou menos desassombrada, porque criticar rigorosamente todos os comportamentos questionáveis deixaria os jornalistas sem fontes no Congresso e em débito com seus editores.
Isso em relação à pequena fração que se dispõe a fazê-lo. Um grande número de veículos não se dispõe. Não quero personalizar o debate, mas recentemente tomou posse no Senado um suplente que é dono de jornal, emissora de televisão e rádio na capital de seu estado [ver “Na vaga de Delcídio, dono de jornal, rádio e TV”]. Esses veículos do novo senador vão questionar o quê?
Mas voltemos à mídia mais independente. O assunto Congresso disputa espaço com muitos outros assuntos, considerados mais interessantes para um público amplo, salvo quando há escândalos, imagens fortes, como a dança da deputada ou o quebra-quebra do MLST.
Existe também a limitação do receptor. Em primeiro lugar, de tempo. De quanto tempo dispõe o cidadão comum para acompanhar notícias? Em segundo lugar, de compreensão. Quantos de nós dominamos o labirinto de procedimentos e o jargão parlamentar?
E há ações, muito estridentes, feitas sob pressão dos holofotes da mídia, cuja importância é mais simbólica do que efetiva. Muito recentemente e muito notoriamente tivemos a prisão em flagrante, em sessão de CPI, de um advogado acusado de ligação com o PCC. Acho que é um bom exemplo de ação reativa impulsiva. Leiam o que está hoje no Estado de S. Paulo [“Facção manda usar advogados como mensageiros”, 28/6] a respeito do papel que o PCC pretende atribuir a advogados como emissários de instruções, em substituição ao uso de celulares, onde esse uso for barrado com eficácia pelas autoridades. É muito patente a distância entre o que realmente está em jogo e o que se viu diante das câmeras. Provavelmente, teria sido melhor responder à afronta dizendo: “Explique-se. Por que diz que aprendeu rápido a ser malandro na convivência com deputados?” Não teria sido melhor fazê-lo falar mais?
Recapitulo. O cidadão comum não tem tempo nem conhecimento específico para acompanhar criticamente a vida do Congresso, mesmo quando, muito raramente, alguns setores da mídia fazem uma cobertura mais competente.
Devo abrir um parêntese para relembrar uma constatação que tem sido feita pelo Observatório da Imprensa há muitos anos: reduziu-se muito a cobertura do trabalho das comissões do Congresso. Os jornais não têm equipes suficientes. Daí o surgimento de mídias especializadas, como o Congresso em Foco. Mas é a grande imprensa, são os grandes meios de comunicação de massa que transformam algum assunto em tema de interesse e debate nacional.
No caso específico desta Comissão de Legislação Participativa isso é ainda mais gritante, porque ela não pode cumprir sua missão precípua, lançar pontes para a participação de setores amplos do povo no processo legislativo, sem recorrer aos meios de comunicação. Sem divulgação ampla, ela tende a se tornar uma instância de interlocução da Câmara dos Deputados com setores já consideravelmente organizados da sociedade. E esses, como sabemos, embora tenham tido extraordinário florescimento nas últimas décadas, surgem num quadro histórico de fragilidade da organização popular. Surgem, em certa medida, no vácuo deixado pela organização política, decorrem da relação precária, na maior parte dos casos, mantida pelo parlamentar com seus eleitores.
Não posso deixar de voltar a mencionar aqui um problema que tem sido objeto de denúncia sistemática por parte do Observatório da Imprensa: a posse de concessões de rádio e televisão por parlamentares, que é vedada pela Constituição mas praticada sem peias nas duas Casas do Congresso. Em 25 de outubro, acompanhado pela advogada Taís Gasparian, entreguei à Procuradoria Geral da República, em nome do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, uma representação que denuncia essa irregularidade. Foi baseada em estudo coordenado pelo professor da UnB Venício Lima, colaborador do Observatório da Imprensa.
Até hoje, oito meses depois, não recebemos da Procuradoria nenhuma informação sobre o andamento da matéria. Sabemos que a Procuradoria fez ao Ministério das Comunicações um pedido de informações, e nada além disso. Notar, já que estamos numa Comissão, que alguns concessionários de radiodifusão são membros da Comissão da Casa que concede ou prorroga outorgas.
Se a Mesa da Câmara tivesse interesse em fazer cumprir esse dispositivo constitucional, traria considerável benefício à democratização dos meios de comunicação no país. Assim, deixo aqui um pedido a esta Comissão, que honrou o Observatório da Imprensa com um convite para esta reunião. Peço que verifiquem como podem ajudar a combater o que chamamos de coronelismo eletrônico, algo que se reproduz nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.”
Outros participantes da sessão foram o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murillo de Andrade, o diretor da Coordenação de Divulgação da Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, Flávio Elias, a deputada Iriny Lopes, do PT do Espírito Santo, e a professora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Alessandra Aldé.
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