No início do ano, uma capa chamou a atenção nas bancas. Era a da edição de fevereiro, número 42, da revista Aventuras na História, da Editora Abril, sobre “Cuba, antes e depois de Fidel”. Dava como encerrado o mando de Fidel Castro. A redatora-chefe, Patrícia Hargreaves, escreveu na abertura da edição: “´El comandante´ pode até voltar ao poder. Mas nada será como nos últimos 48 anos. (….) É o fim da era de um homem que mudou o destino de sua nação. Se foi para o bem ou para o mal, isso deve ser decidido por cada um”.
A revista ocupou sozinha um espaço privilegiado. No mesmo número, já trazia uma pequena resenha dos dois filmes de Clint Eastwood sobre a batalha de Iwo Jima. Na entrevista abaixo, realizada por Mauro Malin e Raiana Ribeiro no início de fevereiro, Patrícia Hargreaves e Débora Bianchi, editora de arte, falam dessa revista de História antenada em novidades, ligada ao fluxo dos acontecimentos.
Dar informações históricas de diferentes pontos de vista
Qual é a missão, o papel da revista?
Patrícia Hargreaves – Estamos tentando definir isso em poucas palavras. Na Abril, todas as revistas têm uma missão específica. Assim como a empresa tem aquela missão gigantesca na entrada, todas as revistas têm uma missão.
O Thomaz Souto Corrêa [jornalista que dirigiu várias revistas e hoje integra o Conselho Editorial da Abril] costuma brincar: “Deus me livre, mas um dia pode cair um avião com toda a equipe dentro dele e levar consigo o segredo de fazer essa revista. Então é bom sempre ter por escrito em um outro lugar, para que se perpetue”. É uma brincadeira, mas é verdade.
Não precisa o avião cair, mas cada revista tem sua forma, seu coração, um jeito de contar, de dar o seu recado, de estabelecer sua relação com o leitor. A missão de Aventuras na História, especificamente, eu acho que é levar para o leitor, com graça, informações históricas de diferentes pontos de vista.
É mostrar outros ângulos de um mesmo episódio, de uma mesma esquina histórica: ali aconteceu isso, mas aqui estava acontecendo assim, e havia outra coisa acontecendo acolá, o epicentro foi desse jeito e o resto ocorreu assim.
Na verdade, é a missão de levar o leitor a entender o presente via o passado, mas com leveza. Não é porque é história, que a fonte seja livro, pesquisador, historiador, antropólogo, que isso tem que ser uma coisa pesada. Pode ser feito de uma maneira agradável e jornalística.
Um pensador gastaria três edições para falar de Cuba
Vocês têm o problema de encontrar resistência de colaboradores vindos da academia a mudanças nos textos?
P.H. – Existe uma participação grande de historiadores, pensadores, teóricos, mas na verdade a maioria das nossas pautas é executada por jornalistas, que pesquisam a fundo e consultam fontes. Não é tão obra autoral, não são artigos, são reportagens históricas.
Por exemplo: Cuba com e sem Fidel é um tema denso. Se fosse um pensador, precisaria de três volumes da revista para fazer isso. Quem fez isso foi justo Celso Miranda, o fundador da revista, o idealizador desse sonho que é Aventuras na História, fez esse esforço e que teve a visão de fazer as coisas dessa maneira.
Eu acho que é um bom exemplo para entender a revista: você lê a matéria e Fidel, na verdade, é um pano de fundo, a matéria é Cuba, mas você vai viajando e quando você vê, está entendo tudo exatamente o que se está passando. Ela começa na Cuba da chegada do pai do Fidel, até os depoimentos atuais, porque um repórter, o editor do site, foi passar o réveillon em Cuba e colheu depoimentos. É um grande melange de informações checadas e rechecadas à exaustão para compor esse mosaico que é a revista.
Na ilustração, a marca de uma pesquisa exaustiva
Temos o que chamamos de “ilustra-jornalismo”: toda ilustração da revista, das grandes matérias, principalmente, tem uma profunda pesquisa, é um retrato de uma situação.
Por exemplo, se é um soldado do 101° Batalhão da Segunda Guerra, vamos pesquisar exaustivamente aquele uniforme, o jeito como aquele homem andava, em que situação ele se encontrava, qual era o cenário em que ele estava, como ele se portava, ter o maior número de informações possível para compor aquela imagem. A ilustração, em Aventuras na História, é fundamental para o leitor se situar, não é uma decoração, é um retrato histórico.
Débora Bianchi – Eu acho que é bem afinado com o nosso projeto editorial. Como mostrar para os leitores, de uma maneira nova ou de um outro ponto de vista, não do ângulo que ele sempre viu o Dom Pedro, por exemplo, como mostrar de outras maneiras e casar com um texto que vai cercar o assunto por todos os lados?
Tínhamos que poder botar a câmera em vários lugares que não são os óbvios e surpreender o leitor nessa hora. Ele pode achar que conhece um assunto, mas ele tem muito mais para conhecer se olhar de outro ponto de vista. E repetir essa receita toda edição, eu acho que é o que faz mais a nossa cara.
Qual é o público da revista?
P.H. – Ele é A-B, a grande massa dele vai de 14 a 39, 40 anos. Depois disso, ele fica um pouquinho menor. Pessoas com mais de setenta anos não são muitas.
Mito histórico brasileiro faz sucesso
E a distribuição pelas cidades?
P.H. – Grandes capitais e também tem muito do Nordeste. É engraçado, ontem, por exemplo, eu falei: “Nossa, chegou o reparte da Paraíba”, porque chegaram cinco e-mails seguidos da Paraíba. Chegou lá, eles estão lendo na Paraíba e mandam e-mails.
É uma revista muito comentada, ela pauta muito o bate-papo das pessoas, as conversas. Os leitores são super-opinativos, participativos mesmo, uma coisa que a gente estimula, nos criticar, e estamos aqui para melhorar. Indicam coisas que acham interessantes tratarmos.
São Paulo é a maioria, Rio é o segundo lugar e Belo Horizonte é o terceiro? A História Viva tem um dado surpreendente: vende mais no Rio do que em São Paulo.
P.H – Mas isso é uma característica particular deles, não é do mercado de revistas de história. É uma fatia boa deles, a gente é bastante São Paulo, bastante mesmo. E no Sul também temos boa presença.
O que costuma fazer mais sucesso?
P.H. – É engraçado, em Aventuras na História temos uma particularidade: grandes mitos históricos brasileiros, que não são muitos, são as capas de mais sucesso em banca. JK, Getúlio são mitos, mas se você trata de assuntos isolados de Brasil o sucesso não é tão grande.
Uma compilação sobre a Roma antiga
Quais são os projetos mais ambiciosos em vista?
P.H. – Chegou às bancas em de fevereiro um especial popular compilando tudo o que a revista já publicou sobre o Império Romano. Fizemos pensando num público mais jovem, de 14 anos, que está no Ensino Fundamental.
A revista é adotada em alguma escola? Muitos professores não compram porque não têm dinheiro.
P.H. – Mas a maioria dos nossos assinantes é de professores de Ensino Médio e Fundamental.
A disciplina que eles ensinam é História?
P.H. – Nem sempre, mas a maior parte sim, creio eu. A gente está tendo muito feedback de professor. E o caso da matéria sobre Cuba: “Muito legal, é um jeito sensacional para eu ilustrar as minhas aulas”.
Uma pauta, geralmente, leva quanto tempo, desde o primeiro estágio: “Vamos fazer isso”, e o dia em que vai para as bancas?
P.H. – Varia, por exemplo, a próxima edição tem uma capa que a gente está com ela há meses. Ela a uma capa para sair até o momento em que a gente mudou para dar Fidel.
Virou gaveta…
P.H. – Na verdade ela foi postergada uma edição. Não é que tenha ido lá para o fundão da gaveta.
Uma temporada na gaveta não deixa de ser bom nesse tipo de publicação, porque quando sai da gaveta já se vê o material com outros olhos.
P.H. – É verdade. Entre a finalização e a primeira remessa de textos para Cuba houve um momento de desespero meu e da Débora: “Caramba, vai ser uma ceifadeira isso daqui”. A história tinha se desenvolvido de uma outra maneira. Não tinha mudado o estado de saúde do Fidel, nada tinha acontecido, mas a nossa visão sobre aquele momento mudou.
Acho que a matéria foi feliz, tem uma barra com inserções de fotos tipicamente cubanas, conseguimos fazer umas alterações, dar um peso diferente para as coisas. Os depoimentos de populares, por exemplo, que são super- importantes, porque enquanto você está falando dos espanhóis – é exatamente um exemplo do que faz a revista – você tem depoimentos de gente que está vivendo lá agora. Os depoimentos estavam todos blocados numa área da matéria, a Débora e o Celso disseram: “Não, vamos espalhar isso ao longo da matéria, porque a pessoa vai lendo e vai sendo remetida à atualidade”.
Como é trabalhar a atualidade numa revista de História? Porque os leitores têm essa sede de entender o que aconteceu e a necessidade de um gancho com a atualidade, como foi essa pauta de Cuba.
P.H. – Nós trabalhamos bastante a pauta do Fidel. Corríamos o risco de ir para a banca, vamos dizer que ele tivesse morrido, e concorrer com todas as revistas semanais dizendo: “Cuba livre”? Tínhamos perfis fenomenais, entrevistas do Frei Betto, da Cláudia Furiatti e de personagens brasileiros que passaram pela vida de Fidel ou por Cuba. Como mostrar isso de um ângulo próprio, sem cair no mainstream que todo hardnews iria dar? Porque tenha certeza: essa matéria que a gente publicou está na gaveta de todos os grandes jornais, está todo mundo com esse caderno pronto.
Nós fechávamos a edição numa quarta-feira. Eu tive certeza quando saiu no Globo, no domingo, um artigo de uma página falando exatamente desse período de transição em Cuba, que estava feito, é isso aí: passou. Ele fez a transição em vida, na hora que ele quis, ele passou por oito presidentes americanos, sepultou quatro. Já está em transição, ninguém saiu remando enlouquecido de Cuba nem voltou enlouquecido para Cuba, e a vida segue.
Ninguém noticiou uma vigília pela saúde de Fidel
Então, tivemos essa preocupação nessa pauta específica: não vamos correr para onde todo mundo vai correr. Não vamos, por exemplo, ouvir Frei Betto para falar de posições políticas de Fidel, vamos ouvir Frei Betto para ele contar a história da noite em que a mãe dele fez uma ambrosia para o Fidel, contar como Fidel conversava com Gabriel García Márquez, como era andar ao lado do Fidel.
Frei Betto falou super-empenhado, tinha acabado de voltar de Cuba, nós nem sabíamos disso, mas ele tinha acabado de participar de uma vigília pela saúde do Fidel. Este fato não saiu em nenhum lugar: existe uma vigília sendo feita pela saúde de Fidel.
Vocês já têm 2007 na cabeça?
P.H. – É um ano que precede um ano histórico muito rico. Ano que vem faz cem anos da imigração japonesa, duzentos anos da chegada da família real no Brasil, duzentos anos da imprensa. Um ano extremamente rico, mas antes de 2008, tem 2007.
Já temos uns bons pratos para este ano, uns tiros bem amarrados e com produtos fora de linha, edições fora de linha, que são, por exemplo, essa de Roma, que é uma peça muito mais barata, R$ 4,95. Essa edição de Roma que vamos lançar [já foi lançada] foi feita assim: pegamos tudo o que já tínhamos publicado de Roma e demos uma linha editorial para aquilo.
Quer dizer, vocês não compraram mais nada. Tudo já tinha sido comprado, estava tudo pronto.
P.H. – Só que vamos ofertar para um outro tipo de leitor, um leitor mais novo, um garoto que está estudando o Império Romano, ele vai achar bacana ler sobre aquilo, vai ter o trabalho de fim de ano dele pronto e vai ser apresentado à história de uma maneira mais atrativa, porque do mesmo jeito que você tem Nero, o homem que tocou fogo em Roma, você tem bigas, a fórmula 1 dos romanos. É um produto mais teen e popular. E tem os DVDs e as Grandes Guerras.
Tratamento especial para o site da revista
O mundo das revistas, dos jornais, das televisões abertas e toda essa mídia que conhecemos está vivendo um período de profunda mudança: tem que ter site interativo, não é só botar a revista no site, isso só tira leitor do papel. Como vocês estão nisso?
D.B. – Refizemos o projeto do site tornando-o mais interativo, criamos colunas de quatro autores que são publicadas exclusivamente no site. Tem um editor do site que vai inserindo notícias.
P.H. – Notícia mesmo. Por exemplo: a lâmpada de Edison foi vendida ontem na Christie’s, o jornal mais antigo virou digital ou a pena da Lei Áurea foi restaurada e levada para um novo local, ou até “Entra em cartaz amanhã Iwo Jima, o filme que retrata a batalha do Pacífico”, tudo o que tangencie o tema história.
D.B. – Muitos conteúdos da revista têm extras exclusivos no site. Fazemos um caminho de duas mãos: quem vai ao site pode ler as entrevistas e se interessar pela revista, e vice-versa.
O site é aberto?
P.H. – É aberto (Aventuras na História). Outro exemplo do site foi uma matéria sobre uma confusão que teve num ponto de capoeira no Rio, e o que tinha no site? Você ouvia vários tipos de música de capoeira.
D.B. – Fizemos, recentemente, uma coisa semelhante ao que faz o Museu da Pessoa. Abrimos um espaço para as pessoas postarem fotos e contarem as próprias histórias, ajudando a fazer esse resgate, essa preocupação, estimular as pessoas.
Mas existe um projeto de vocês de dar valor a isso no plano editorial, a concepção do trabalho de vocês é “O site vai se tornar uma coisa cada vez mais importante”?
P.H. – Sim, não a mais importante, mas tão importante quanto…
A maioria dos sites nasceram na imprensa como uma espécie de “Sobrou, bota no site”. Era só republicação e esquece, tudo bem, vamos para a próxima. E ainda existe muita coisa assim.
D.B. – O nosso acho que começou assim, mas o intuito era porque a revista era nova e era para divulgar a revista em uma outra mídia: “Olha, leia o conteúdo. Se você digitou história e aparece o link da revista, conheça a gente”. É também uma forma democrática de você mostrar o seu conteúdo, qualquer um que tem computador pode acessar e a gente não tem que investir para o marketing de divulgação, o custo é menor.
Começou assim e foi crescendo e acho que o perfil dos nossos leitores também pedia que a gente desse mais para eles. É uma troca que vai crescendo.
E também é uma faixa etária que está mais plugada do que a média…
P.H. – Com certeza, imagina, 14 anos, está bombando na internet. Passa o dia inteiro pendurado.
Tem mais gente visitando o site do que leitores da revista?
P.H. – Esse número absoluto eu não tenho, mas o site da revista é muito bem classificado. A Abril tem sites muito parrudos, tem Veja, Playboy.
D.B. – De uns tempos para cá nossas matérias estão aparecendo bastante nas chamadas da home do UOL. Isso também começou a gerar um retorno bem grande.
O site é fonte de receita?
P.H. – Já temos o planejamento dos espaços publicitários, fizemos nos padrões da editora. Já trocamos mídias com outras revistas da casa e temos um plano de vender o espaço futuramente.
Leitores apaixonados por documentários
Os DVDs são uma fonte de receita considerável?
P.H. – A revista tem essa particularidade: o leitor da revista ama, adora documentário. São números muito felizes para a editora. Aventuras na História é um título que vende bem na mídia DVD, e também Grandes Guerras.
Vocês têm plano de fazer conteúdo brasileiro para DVD? Porque eles são comprados fora do país…
P.H. – São comprados, a maioria da BBC. A gente lançou em dezembro um que é um documentário autoral, um road-movie do Barone [Um Brasileiro no Dia-D, dirigido por Victor Lopes e João Barone, que é o protagonista do documentário]. Ele tinha um projeto todo e o Celso Miranda pegou e comprou literalmente a idéia.
Leia também ‘Nossa História morreu, viva Brasil História‘, entrevista de Alfredo Nastari, diretor da Duetto Editorial.