Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Copa, a comercialização do patriotismo

O futebol mobiliza paixões nacionais, entre elas a ideia do patriotismo ao qual está associada a noção de solidariedade. Esta é a tecla predominante da avassaladora operação de marketing deflagrada a propósito da Copa do Mundo e que serve para mimetizar um gigantesco negócio montado pela Fifa em parceria com pelo menos 20 conglomerados empresariais nacionais e estrangeiros.

Nós vamos torcer pela seleção brasileira, mas ao mesmo tempo estamos também participando de um empreendimento que levará 4 bilhões de dólares para os cofres da Fifa e deixará uma conta estimada em 14 bilhões de dólares a ser paga por nós. O futebol perdeu a condição de ser apenas um esporte para se tornar também, e às vezes majoritariamente, um grande negócio.

Como esporte, ele faz parte da nossa vida desde a infância. Está associado às nossas emoções, comportamentos, sonhos e desenvolvimento físico. O esporte é isso, mas a lógica do mercado o transformou numa ferramenta fantástica para gerar lucros, empreitada na qual a imprensa de todo o planeta é uma entusiasmada parceira.

A Fifa protagonizou uma verdadeira intervenção branca no Brasil a propósito da Copa do Mundo. Da administração dos estádios, organização de shows, segurança, publicidade, comercialização de ingressos até as arrogantes cobranças feitas ao governo brasileiro nos meses que antecederam o início do torneiro  torneio. Tudo passou pelo crivo da entidade com sede na Suíça, cuja contabilidade, há muitos anos, é objeto de um sigilo tão intenso quanto o dos depósitos em bancos suíços.

O fato do contribuinte brasileiro acabar arcando com uma conta de 31 bilhões de reais deveria ter sido um pretexto suficiente para que a imprensa fizesse um escrutínio sistemático dos gastos e principalmente da participação privada no orçamento da Copa de 2014. Um levantamento feito pela agência Pública indica que o investimento privado nas obras da Copa foi muito menor do que o anunciado inicialmente e que para não pagar mico, o governo brasileiro teve que bancar o grosso das despesas.

Faltou coragem à imprensa e ao governo Dilma para contar à população os detalhes da puxada de tapete dos antes entusiasmados patrocinadores privados das obras da Copa. A imprensa, porque sua preocupação com os lucros gerados pela avalancha publicitária nos meios de comunicação forneceu elementos suficientes para ela “olhar para o outro lado”, omitindo o tema. Já o Palácio do Planalto ficou mais preocupado com eventuais prejuízos eleitorais decorrentes de uma crítica direta a siglas relevantes no universo empresarial privado nacional e internacional.

Mas o que mais importa aqui é destacar que a confusão deliberada entre esporte e negócios no futebol não é de hoje e nem vai acabar tão cedo. É uma forma de enganar as pessoas, associando uma atividade esportiva – essencial ao corpo humano e ao convívio social – à busca do lucro. É uma associação complexa em que não adianta pintar um lado como bonzinho e ingênuo, e o outro como maquiavélico e ganancioso.

Essa confusão aparece a todo instante quando nos interessamos pelo campeonato brasileiro, pelos torneios de tênis, vôlei e nas competições de atletismo, só para citar algumas. O esporte está quase que totalmente mercantilizado e a imprensa assumiu um papel protagônico na promoção da indústria das competições. O problema não está em que ela participe do negócio, mas sim em que ela faça só isto, esquecendo que o esporte é, desde a sua origem grega, uma atividade não comercial.

A avassaladora preocupação com o lucro na Copa de 2014 mostrou o extremo a que pode chegar a corrida atrás do dinheiro que corrompe até mesmo os atletas, cujo desempenho passa a ser condicionado mais pelas vantagens financeiras do que pela identificação com a paixão dos torcedores. A Copa do Mundo deixou de ser uma competição sadia entre nações para se transformar num laboratório de negócios, da mesma forma em que foi transformado em arma política nos tempos da antiga União Soviética.

Quem perde é o cidadão comum, que ao assistir a uma partida de futebol ou comprar um tênis não sabe mais se está satisfazendo um impulso ou necessidade, ou se está sendo um inocente útil de uma campanha de marketing de um banco, cerveja, sabonete, operadora telefônica ou montadora de veículos. O problema não está na campanha, mas no fato dela esconder-se atrás da preocupação com o patriotismo e a paixão clubística.