A questão das cotas raciais para universidades federais, que até aqui foi acompanhada de modo insatisfatório na mídia, hoje explode em manchete do Globo. O ponto mais sensível a discutir é tentar estabelecer se a nova legislação fere ou não a Constituição federal.
Pode até não ser o xis da questão, mas é um ponto de partida incontornável. O articulista da Folha de S. Paulo Demétrio Magnoli escreveu recentemente (Constituição do racismo, só para assinantes) que as cotas previstas no Estatuto da Igualdade Racial configuram uma forma de racismo e ferem a Constituição. Em carta, no dia seguinte, recebeu apoio do cientista político Bolívar Lamounier (*).
Do lado prático, uma conseqüência negativa a médio e longo prazo pode ser, talvez, uma quebra da qualidade já precária das universidades públicas, de que resultará mercado para novas faculdades particulares, agora de excelência. Hoje, praticamente toda a excelência está concentrada em instituições públicas.
Se – atenção, é uma possibilidade, não uma afirmação – houvesse nesse caso queda acentuada da qualidade, os melhores professores prefeririam ficar com a titulação oficial ou tenderiam a ser atraídos por outro modelo?
E, em cima dessa hipótese, caberia outra: o novo modelo, caso viesse a surgir, seria melhor ou pior do que o atual, dentro de uma visão de Estado, tanto quanto possível escoimada de corporativismos – públicos e privados – e manipulações político-partidárias e eleitorais?
(*) ‘Tem toda a razão Demétrio Magnoli ao alertar o país para as conseqüências nefastas que poderão advir da eventual aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pela Câmara dos Deputados (´Constituição do racismo´, Opinião, pág. A2, 12/1). Com lucidez e coragem, ele põe o dedo na ferida. A pretexto de apressar a consecução da ´igualdade racial´, vem-se implantando no Brasil uma política ´racial` em tudo contrária aos princípios basilares de nossa Constituição. Equivocada, imitativa e contraproducente, ela provavelmente agravará os problemas que propõe solucionar.
Nas últimas duas ou três décadas, houve notável evolução no conhecimento e no debate público sobre os problemas sociais e culturais brasileiros. Aprofundou-se a consciência de que é necessário assegurar de maneira efetiva, e não retórica, os direitos que a Constituição confere aos cidadãos. Ninguém de bom senso se opõe a providências múltiplas, flexíveis e não-coercitivas que facilitem a superação de preconceitos e garantam o acesso igualitário a oportunidades e compensações. Infelizmente, ao lidar com essas questões, o projetado estatuto inspirou-se nos piores modelos, conceitos e métodos disponíveis.
Sua aprovação pela Câmara dificilmente resolverá problemas importantes no que se refere à redução das desigualdades. É bem mais provável que enrijeça percepções e preconceitos, fomentando desentendimentos artificiais e, como diz Magnoli, solapando o princípio republicano da igualdade dos cidadãos. Bolívar Lamounier (São Paulo, SP).”