O confronto envolvendo a mega corporação Sony Corp. e o jovem norte-americano George Hotz tem todas as características de um enfrentamento estilo David contra Golias, na bilionária arena da indústria do entretenimento digital.
Mas não é só o seu lado curioso que chama a atenção no caso. A queda de braço já está sendo considerada uma espécie de paradigma num novo tipo de guerrilha entre consumidores irritados e grandes marcas bem como na guerra, quase aberta, entre megafabricantes.
Hotz, que também se assina GeoHot, apesar de seu ar adolescente é um velho conhecido de empresas como a Apple, Sony, AT&T e Microsoft por seu estilo “robin hoodiano” de defender causas de pequenos usuários contra grandes empresas. E sua principal arma é a tecnologia, pois ele viola códigos para permitir o ingresso gratuito em programas pagos, conforme explica em seu blog.
Seu primeiro grande feito foi quebrar o código que tornava o iPhone, da Apple, exclusivo da operadora telefônica AT&T. Hotz justificou seu ato dizendo que tinha o direito de usar outras operadoras no seu iPhone, então o sonho de consumo de todos os usuários de gadgets eletrônicos. A quebra do código de exclusividade acabou sendo usada por usuários do iPhone em todo o mundo, e hoje a Apple já não tem mais uma operadora exclusiva para seu telefone inteligente.
A briga com a Sony começou em janeiro de 2010 quando ele anunciou que havia conseguido violar o código de acesso à PlayStation Network, uma rede virtual para os usuários do console de jogos online PlayStation, recém-lançado na época. Hotz justificou a invasão da rede alegando que desejava mostrar falhas de segurança no sistema, falhas estas que acabaram sendo corrigidas pela empresa fabricante do PlayStation.
Mas a Sony decidiu ir além da correção e abriu uma guerra contra GeoHot e toda a comunidade de nerds (usuarios pesados da internet). O conflito se desenrolou ao longo de quase 12 meses, com a força legal de um lado e a esperteza de outro, pois Hotz gravou em vídeo quase todas as suas pesquisas para violar códigos comerciais de grandes empresas.
No dia 19 de abril, a Sony descobriu que o herói dos hackers1 havia conseguido ingressar no banco de dados onde estão guardadas informações sobre 77 milhões de usuários de produtos da empresa japonesa. A empresa fabricante do PlayStation só foi avisar seus clientes uma semana depois, provocando uma onda de protestos não contra a quebra do sigilo sobre cartões de crédito, mas pelo fato de os usuários não terem podido tomar medidas preventivas.
A partir dai a situação da Sony se complicou porque além da briga com Hotz, ela estava enfrentando os seus clientes e até mesmo membros do Congresso norte-americano que entraram na justiça contra a empresa transformando o problema numa questão político-diplomática.
Isso sem falar que os concorrentes da Sony trataram de explorar a situação em proveito próprio, gerando uma queda de preço nas ações da empresa japonesa na bolsa de Nova York. Todo o imbroglio pode acabar custando à Sony a bagatela de 1,5 bilhão de dólares, segundo estimativas de operadores de Wall Street.
A irritação dos usuários da Playtation Network é a mais recente demonstração de descontentamento com a política das empresas em matéria de proteção de dados pessoais de consumidores. A Apple, fabricante dos iPhones, está na mira de seus usuários depois que vazou a informação de que ela poderia monitorar os deslocamentos dos celulares com GPS, disposição de localização geográfica.
A mesma suspeita foi levantada em fevereiro sobre o sistema operacional Android, desenvolvido pela Google e que é o mais usado pelos telefones inteligentes de última geração. A Google alegou que a coleta de dados sobre localização era uma opção do usuário, já que caberia e este decidir como e quando usar o GPS. Também disse que os dados eram anônimos, mas isso não convenceu os consumidores, que provocaram uma queda na cotação das ações da empresa quando a questão foi levantada.
As invasões de bancos de dados e redes mantidas por empresas, bem como as queixas de usuários sobre segurança de informações pessoas são hoje a grande dor de cabeça dos empreendedores online, sejam eles pequenas ou megaempresas. As empresas estão começando a descobrir que as estratégias convencionais para lidar com violações de segredos corporativos não são mais eficientes na internet — e os consumidores começam a descobrir que não há privacidade absoluta na rede. São novos comportamentos e valores em gestação na era digital.
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1 – Hacker é a expressão inglesa usada para definir as pessoas que pesquisam e desenvolvem novos softwares, ao contrário dos crackers, que são os que violam códigos digitais com finalidades criminosas. No caso de George Hotz, ainda não está suficientemente clara a sua intenção, por isto, na dúvida, usamos a opção hacker.