Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De ‘quadrilhas’ e ‘elites responsáveis’

Todos os principais jornais brasileiros destacam a conclusão da primeira parte do inquérito encaminhado ao Supremo pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciando 40 pessoas envolvidas com o chamado mensalão. Os fartos espaços abertos para o anúncio do procurador-geral justificam-se pela importância do documento e das classificações contidas no documento, entre as quais a qualificação da ‘quadrilha criminosa’ formada pelo ex-ministro José Dirceu, e os ex-dirigentes do PT José Genoino (presidente), Delúbio Soares (tesoureiro) e Silvio Pereira (secretário-geral). Assim como nas decisões anteriores do Supremo que desagradaram a mídia e a oposição, vale o refrão que decisão da Justiça não se discute.

O ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, continua sendo a ‘bola da vez’. Hoje, em entrevista ao Estado ele desmente o que o mesmo Estado publicou em sua principal reportagem de ontem: ele não pretende deixar o cargo.

A política ordinária continua dando suas cartas, de acordo com o noticiário. PSDB e PT trocam ameaças – se o PT de São Paulo convocar o filho do ex-governador Geraldo Alckmin para depor, o PSDB dará o troco convocando o filho do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Na Câmara Federal, segundo reportagem de vários jornais, o líder do PFL, Rodrigo Maia, diz que ‘chegou a hora’ de a sociedade civil apresentar o pedido de abertura de processo de impeachment de Lula. O parlamentar quer ver o circo pegar fogo, pois o processo de impeachment se desenvolveria em paralelo à campanha eleitoral. No caso da provável vitória de Lula, novamente apontava como factível na pesquisa CNT/Sensus reproduzida hoje por todos os jornais, o processo seria concluído apenas no hipotético segundo mandato.

Esse é o lamentável panorama político à espera do eleitor nos próximos meses. Para tentar entender o ponto a que chegou a guerra entre os maiores partidos do Brasil, recomenda-se o texto assinado pelo ex-ministro da Marinha e ex-ministro chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Itamar Franco, almirante Mário César Flores, com o título Elites responsáveis‘..

(…)
Mas quem integra as elites que puxaram (puxam) o carro? Com participações emersas de qualquer etnia, raça e camada social, exercendo influência para o bem ou para o mal, integram-nas: a intelligentsia (ciências humanas e exatas, universidade, literatura, arte, profissionais liberais, mídia), políticos de vários matizes ideológicos (ou apenas interessados no usufruto do poder), militares, empresários dos vários setores, burocracia pública e privada, hierarcas religiosos, sociais e sindicais, e por aí vai. No sentido abrangente da palavra (os que puxaram/puxam o carro), Maomé, Lutero, Robespierre, Lincoln, Marx, Lenin, Lumumba, João Paulo II e Martin Luther King, exemplos simbólicos, foram elites. Fidel Castro, Evo Morales, Pelé, Kofi Annan e o nosso presidente, as lideranças da CNBB, da Fiesp, da CUT e do MST são elites.

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‘O quadro delineado preocupa no Brasil, onde as elites lato senso deixam a desejar no quesito competência (e na ética…), ensejando a mediocridade generalizada, transparente em alguns corolários relevantes: o antagonismo entre o mérito e o ideal igualitário, manifesto na tendência, espontânea ou induzida, à redução da desigualdade mais pelo rebaixamento dos de cima do que pela elevação dos de baixo – o que explica, por exemplo, expor a universidade a risco, quando o conveniente seria a melhora significativa do ensino fundamental. O comportamento social de frouxidão moral e de lúdica licenciosidade macunaímica, da rotina do cotidiano ao carnaval. A banalização pandêmica e permissiva do desrespeito à civilidade e à lei, do simples mau comportamento e do delito trivial ao caixa 2, à violência contra a vida e a propriedade. E algumas disfunções culturais, como são a vulgaridade nos meios de comunicação de massa, a mistificação religiosa, o enaltecimento da cultura e da arte populares e o descaso praticamente excludente pelas clássicas (se autênticas, tudo bem com as populares, errado é ver Villa-Lobos e Machado de Assis como desvios de minorias alienadas…)’.

‘Finalmente e particularmente preocupante porque prejudica a qualidade e a credibilidade da democracia e suas instituições e dificulta a correção das anomalias nacionais: transparente na escassez de atributos positivos em parte da elite política, oriunda dos vários setores e camadas da sociedade, cuja carência de cultura, ética e visão de Estado e de futuro é refletida já no padrão da propaganda eleitoral. O tão falado usufruto patrimonialista e clientelista do Estado pelas elites realmente existe, assimilado na nossa complacência cultural, mas deve ser visto sem preconceito, em sua plenitude: se no Império e na Primeira República a elite usufrutuária era a tradicional rural, sua composição se ‘democratizou’ e incorporou outras fontes, como a elite sindical, hoje também presente no poder político-administrativo’.

‘(…) a transformação do potencial em poder e felicidade social depende da competência (e da ética) das várias participações nas elites que puxam o carro, cabendo a todas, em grau variável com os temas e a conjuntura, a responsabilidade por nossos percalços, pelo nosso desenvolvimento econômico senoidal, social e culturalmente insatisfatório e ambientalmente predador, pela ameaça de o Brasil continuar a ser apenas um grande país periférico (em figura metafórica: a quinta população do mundo e a maior católica, sem um Prêmio Nobel e um santo sequer…), eterno emergente com descalabro social e crescimento do produto interno bruto (PIB) inferior ao realizável, à média global e ao de países que de fato emergem. Os rumos correntes na vida nacional não garantem otimismo quanto à superação desse quadro, em curto prazo.’



Em tempo: o post anterior, que tratou do sumiço de documentos do gabinete de um deputado da Assembléia de São Paulo, abriu dizendo:

‘Das duas, uma: ou o Jornal Nacional comprou gato por lebre – e repassou para os telespectadores ; ou os jornais acharam desimportante o novo desdobramento do caso da ‘doação’ de várias centenas de vestidos (de 300 a 400, o número varia de jornal para jornal) para Lu Alckmin, mulher do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, candidato ao PSDB à Presidência da República’.

Diante do silêncio da edição do JN de ontem, salta a conclusão: o telejornal comprou o gato.