Os dois primeiros meses de 2008 já entraram para a história da imprensa norte-americana como os recordistas em matéria de demissões entre os principais jornais do país.
Em menos de 60 dias foram anunciadas quase 500 demissões de jornalistas em pelo menos cinco grandes jornais dos Estados Unidos, nos quais as receitas publicitárias caíram cerca de 7% no ano passado, a maior queda desde 2001.
O The New York Times anunciou, no início de fevereiro, a demissão de 100 repórteres, editores, correspondentes e fotógrafos, reduzindo em quase 8% o efetivo total de jornalistas, que passa a ser de 1.220 profissionais — a maior de todas as redações de jornais nos Estados Unidos.
Este é o primeiro grande corte de pessoal na redação do The New York Times, um jornal que é visto por 66% dos americanos como um dos quatro que deve sobreviver à atual crise na imprensa norte-americana.
Poucos dias antes do anúncio do corte do Times, a rede de jornais Tribune, admitiu que quase 150 empregos serão eliminados nas redações de publicações controladas pelo grupo, como o Chicago Tribune e o Los Angeles Times, respectivamente o segundo maior jornal dos Estados Unidos e o maior da costa oeste do país.
Em janeiro tornaram-se efetivas as demissões de 125 jornalistas do Boston Globe e do Telegram & Gazette, ambos publicados no estado de Massachusetts, e controlados pela cadeia Times.
Quase na mesma época, o San Diego Union demitiu 100 jornalistas (10% da redação) e o Chicago Sun avisou que vai também cortar funcionários, sem fixar o total e nem a data das demissões.
As redações dos jornais norte-americanos estão chegando perto do total de jornalistas profissionais empregados na virada do século. Para o professor universitário Mark Deuze, autor do recém-publicado livro Media Work, um em cada quatro jornalistas perdeu o emprego em jornais norte-americanos desde 2001.
É a maior crise de mão de obra na história da indústria de jornais dos EUA. As demissões se acentuaram desde 2006 quando o número de profissionais dispensados foi 88% maior do que no ano anterior.
Os jornais alegam que estão pagando o preço da migração publicitária para a Web e dos custos crescentes na produção de material jornalístico de atualidade, especialmente nas coberturas internacionais.
A questão, no entanto, é bem mais complicada, pois não se trata de uma conjuntura adversa e temporária. Os problemas que afetam a indústria dos jornais resultam de mudanças estruturais em curso na área da comunicação jornalística causadas pela massificação do uso de computadores e da internet, que tornou obsoleto o modelo atual de negócios da imprensa mundial.
A situação é mais crítica nos Estados Unidos porque foi o país onde a imprensa sempre gozou de extraordinárias facilidades econômicas, com uma lucratividade anual superior aos 20% e que hoje mal chega aos 9%.
Descontado o efeito da inflação, a receita líquida dos jornais norte-americanos é 20% menor do que no ano 2000, segundo a Associação de Jornais dos Estados Unidos (Newspaper Association of América). A associação também admitiu que a circulação média dos jornais está em queda desde 2003 e que nos últimos dois anos a evasão de leitores chegou aos 40%.
Para os jornalistas norte-americanos a situação é especialmente difícil porque os empregos perdidos na mídia impressa não estão sendo compensados por um crescimento da oferta de trabalho no jornalismo na Web. Segundo Deuze, para cada dois empregos perdidos na imprensa diária, apenas um é criado na Web. E, o que é pior, os novos empregos no jornalismo online têm um salário até três vezes menor do que num jornal impresso de porte médio.
Dados como esses mostram a intensidade das transformações em curso no ambiente da comunicação jornalística. Os grandes conglomerados da imprensa têm dado pouquíssima cobertura à crise nos seus negócios, aparentemente com o objetivo de tentar encontrar uma solução, sem a participação do público consumidor de informações.
Segundo o professor e escritor Robert McChesney, autor do livro Communication Revolution, esta é a quarta grande encruzilhada estratégica enfrentada pela imprensa norte-americana em 100 anos. A primeira foi durante a chamada Era Progressista (1890 a 1917) quando os Estados Unidos passaram por um período de reformas políticas; a segunda, por volta de 1930, quando o rádio mudou os hábitos dos americanos em matéria de informação; a terceira encruzilhada aconteceu no final da guerra do Vietnã; e a quarta, agora, quando a internet colocou a indústria dos jornais de pernas para o ar.