No domingo (23/10), o Estado de S. Paulo publicou uma lista com gastos do governo em diárias de funcionários públicos. A reportagem se limita a comparar o governo Lula com o governo FHC e fala em “farra das diárias” sem fazer um cálculo elementar: a quantas viagens, de quantos funcionários, com que duração, se refere o montante de R$ 1,045 bilhão apurado.
O jornal usou dados levantados pelo deputado Eduardo Paes, atualmente no PSDB do Rio de Janeiro (passou antes pelo PV, pelo PFL, pelo PTB – o de Roberto Jefferson, por supuesto –, e novamente pelo PFL, antes de aterrissar no PSDB em 2003). O Estadão não se deu o trabalho de desagregar os grandes números, providência elementar para se saber do que se está falando.
O jornal fez também um levantamento no Portal da Transparência mantido pelo governo federal. Entre os funcionários que gastaram mais diárias não há nenhum que exerça atividade incompatível, ou pouco compatível, com viagens.
O Estadão menciona em quarto lugar na sua lista o ministro Luiz Fernando Furlan sem dar o nome completo de seu ministério: Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Dá só “Desenvolvimento”. Se o ministro trata de comércio exterior, não tem que ficar parado em Brasília.
Forças Armadas
Na terça-feira (25/10), o laborioso trabalho de pesquisa do deputado Eduardo Paes produziu os gastos das Forças Armadas. Novamente, trata-se de grandes números, sem qualquer detalhamento: um dos melhores caminhos para se equivocar com números.
O presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, declarou que a Câmara vai fiscalizar despesas do governo com diárias, como se isso não devesse ser feitos pelos chefes que autorizam as viagens. Aldo falou em divulgar pela internet os dados das viagens, o que é perfeitamente correto. Pode é abalar alguns casamentos.
O deputado Rodrigo Maia, líder do PFL na Câmara, falou em “imensa agência de turismo dentro do governo”. Palavras, palavras, palavras. O senador Álvaro Dias explicitou o impressionismo: “Fica a impressão de que este governo criou uma espécie de complementação salarial para os assessores mais graduados, a partir do uso indiscriminado das diárias”.
O procurador-geral do Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, disse que os gastos são “estratosféricos”, o número, “estarrecedor”. E tome conclusão antes do estudo. Ele declarou que os gastos podem ter acontecido por desorganização ou por fraudes. “É bem provável que seja uma mistura dos dois”. Não diga! E qual a parte dos gastos efetivamente necessários, senhor procurador? Bem, ele declarou ao jornal que agora, depois de ter tirado conclusões apriorísticas, vai fazer o dever de casa, estudar o assunto.
É preciso lembrar que um grande número de honestos e criteriosos servidores públicos são atingidos por essas declarações generalizantes.
O jornal registra que a Controladoria Geral da União teve o desplante de “contestar os dados de gastos com viagens do governo Lula levantados pelo Estado”.
Câmara dos Deputados
Na quarta-feira, o Estadão ficou menos distante de uma apuração competente. Levantou os gastos com viagens da Câmara e o número de viagens às quais eles correspondem. Mas não informou quantos deputados viajaram. A divisão do montante gasto em passagens e diárias pelos deputados em 2003 e 2004 (R$ 123,4 milhões) pelo número de viagens (879) dá um valor médio de R$ 140.386,00 por viagem. Mas, como não se sabe quantos deputados viajaram, continua-se no terreno da generalização.
O jornal encontrou um bom veio de apuração. As aberrações cometidas por parlamentares nas viagens e em relatórios que escrevem sobre elas.
O assunto ainda rendeu na quinta-feira (27/10), quando um pé de matéria esclarecia que, dos R$ 159,6 milhões gastos, R$ 4,8 milhões tiveram a ver com missões e o resto com o pagamento das quatro passagens mensais a que os deputados têm direito para se deslocar entre seus estados e Brasília.
O jornal não fez a conta, mas o resultado poderia ser o seguinte (a título de exercício): R$ 154,8 milhões divididos por 67.716 viagens (513 deputados vezes quatro, vezes doze meses, vezes dois anos, mais 513 vezes quatro, vezes nove meses de 2005). Resultado: R$ 2.286,00 por viagem, na média. Em seguida, seria necessário ponderar os diferentes preços de passagens entre Brasília e as capitais dos 26 estados. Esse número estaria correto? Seria razoável, seria alto, seria “estratosférico” e “estarrecedor”? Fica-se sem saber.