A grande imprensa mundial mantém um intrigante silêncio sobre a decisão da justiça europeia de conceder a indivíduos o direito de exigir que os sistemas de buscas na internet eliminem de seus bancos de dados páginas cujo conteúdo possa ser considerado desonroso pelo envolvido.
Apenas o jornal inglês The Guardian tem dado cobertura ao tema que afeta diretamente todas as empresas que trabalham com indexação de documentos para fins de buscas na internet. Só a empresa Google já recebeu 70 mil solicitações de pessoas que não concordam com o teor de notícias, documentos e imagens publicadas a seu respeito e indexadas em bancos de dados dos sistemas de buscas.
O silêncio da imprensa pode ser motivado pela complexidade do tema, mas muito provavelmente é determinado pelo complicado dilema de ter que optar entre dois “direitos”: o de esquecer e de saber. O jornalismo acabou caindo na armadilha criada pela questão da transparência informativa na internet e agora está sendo obrigado a fazer uma escolha difícil.
Se aceitar a decisão judicial tomada com base em códigos, em sua maioria, elaborados antes da existência da internet, a imprensa terá que fazer um expurgo em seus arquivos e – o que é mais grave – terá que avaliar, antes de publicação, a possibilidade de sofrer represálias por parte de pessoas ou empresas mencionadas em reportagens. Isso equivale a uma opção entre a autocensura e a censura por parte dos tribunais que aceitarem o princípio da decisão europeia.
A imprensa sempre utilizou o argumento da liberdade de informação para combater interferências governamentais e privadas na sua atividade informativa. Na maioria dos casos, a liberdade de informação foi usada para defender privilégios corporativistas mas, como principio, era uma salvaguarda contra tentativas de submeter o noticiário a interesses setoriais em prejuízo do interesse dos cidadãos.
Sob o pretexto de evitar danos à imagem pessoal ou institucional por conta de supostos erros jornalísticos, qualquer pessoa ou instituição pode agora impor um veto não apenas a referências atuais a documentos e notícias considerados difamatórios, como também exigir o expurgo do material questionado em bancos de dados para evitar que ele seja recuperado em buscas futuras.
O silêncio da imprensa mundial é intrigante porque a decisão da justiça europeia bate de frente com tudo aquilo que os jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão defendiam até agora em materia de liberdade de publicação de notícias. Caso não seja encontrada uma solução para o problema, a imprensa estará colocada num beco sem saída.
Mas o problema afeta também a nós, consumidores de notícias. Mais cedo ou mais tarde teremos que escolher entre aceitar muros que protejam a nossa privacidade, mas impedem que nossos hábitos, comportamentos e conhecimentos sirvam para aumentar o capital social das comunidades onde vivemos, ou aceitar viver no que poderia se comparado a uma casa de vidro. Esta opção, que já é real, nos obrigará a rever valores, comportamentos e crenças vigentes há séculos.
Se o direito ao esquecimento prevalecer sobre o direito de saber, nós cidadãos poderemos ficar privados de dados e informações essenciais para tomar decisões que afetam nossas próprias vidas e as comunidades onde vivemos. Sem falar que a imprensa ficará restrita a publicar o que lhe é permitido em vez de funcionar como um serviço de utilidade social, imune a interesses particulares.
A decisão da justiça europeia se insere no contexto do conflito global entre uma ordem jurídica baseada na hegemonia dos valores e comportamentos da sociedade industrial e a emergente realidade social, econômica, política e jurídica da era digital. Os conservadores tentam impor a ideia de que o conflito é uma guerra com vencidos e vencedores, quando na verdade tudo indica que haverá uma convivência, às vezes conflitante, entre a cultura industrial/individualista/hierárquica e a digital/colaborativa/descentralizada.