O economista Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial, em Washington, onde está há três anos, sente que a cobertura do quadro econômico internacional pelos jornais brasileiros é incompleta.
– Com algumas exceções, não é sistemática, fica muito dependente de modas ou de algum tópico que se torna estrela da noite para o dia. Não tem muito background, às vezes, não entra como parte de uma cobertura que permita ao leitor saber o que esperar a partir dali – avalia. – Falta um caráter sistemático na cobertura. Eu não hesitaria em citar bons nomes de jornalistas que lidam com o tema no Brasil, que são consistentes; mas, em geral, a cobertura é inconsistente. E eu acho isso uma deficiência, porque a importância do internacional, em qualquer economia do mundo, no Brasil inclusive, é crescente.
Canuto dá como exemplo a questão das hipotecas de segunda linha (“sub-prime”), nos Estados Unidos:
– Isso é uma dimensão, é um elemento de um processo de ampliação da liqüidez aqui nos Estados Unidos e na economia internacional, não é um fenômeno apenas nos Estados Unidos, que vem se desdobrando. E de repente, como era já esperado por vários jornalistas, atravessa uma crise. Então o assunto cai em algum jornal: “Crise no mercado de empréstimos de segunda linha americano”… Mas aquilo tem um antecedente! Não veio do nada, não foi de repente! E, se o assunto arrefece aqui fora, aí ele some da mídia completamente. Quando, na verdade, a crise no financiamento de segunda linha hipotecário americano é um elemento que tem outro braço, que tem um desdobramento, que pode ter conseqüências em termos de uma contração forte do crédito – aí sim, vira uma coisa séria…
Canuto critica artigos que “pegam carona” em determinados assuntos para falar de outros. “Alguém faz um artigo sobre a China… mas faz um estereótipo para defender um ponto de vista sobre a coisa interna no Brasil”.
Lógica comercial e lógica jornalística
Ele pede também que os assuntos tenham começo, meio e fim. E que os jornais produzam reportagens mais abrangentes:
– Vejo poucos dossiês. Eu imagino que uma vez por mês, uma vez a cada quinze dias, se pegasse um desses temas e se fizesse uma matéria longa, que permitisse ao leitor fazer um balanço do que é aquela questão, de como é que ela vem se desdobrando, o que ele pode esperar num futuro próximo; quais são os cenários; quais são as questões que estão sendo discutidas, que podem vir a aparecer. Um pouco do que eu vejo aparecer num jornal como o Le Monde, como faz o Financial Times, como faz o New York Times. Acho que tem gente competente no Brasil para isso, é uma questão de prioridade dos jornais. Talvez os jornais estejam corretos, do ponto de vista comercial, em achar que o custo não vale o benefício de atratividade para o leitor. Mas eu tenho a impressão, e espero não estar errado, de que tem uma camada mínima de leitores, um pouco mais informados e mais sofisticados, que adorariam, valorizariam muito o jornal que fizesse isso. Eu acho que é uma espécie de nivelamento por baixo, nesse ponto, na falta de investimentos e em matérias de fôlego. Estou dizendo que provavelmente ficaria inviável, comercialmente, você ter a produção sistemática, como faz o Le Monde, ou o Financial Times, de um caderno semanal com três, quatro páginas, dedicado a um tema. A escala é outra, sem dúvida, mas quem sabe, de vez em quando?
Hábitos de leitura
Canuto faz questão de dizer que há bons exemplos e menciona Fernando Dantas, da sucursal do Estadão no Rio de Janeiro.
– Escreve de modo sistemático, intertemporal. Você lê o artigo dele e diz: Eu li esse negócio desse cara há quinze dias atrás e estou vendo como tem seqüência. Eu leio os artigos dele; eu lembro do que eu li dele 15 dias antes e ele não precisa se reportar ao que disse, vê-se essa seqüência. Existem outros. Não é falta de pessoas, é falta de investimentos das redações. Houve um nivelamento, talvez em relação à coisa muito fácil, da notícia rápida e superficial. Essa é minha opinião geral, como leitor. Eu escrevi no Valor muitos anos. O Valor sabe usar bem o espaço para colunistas não-jornalistas.
Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda na gestão de Antonio Palocci, o nome exato do cargo de Canuto é diretor executivo do Banco Mundial para Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago. Ele descreve seus hábitos atuais de leitura da imprensa brasileira:
– Eu tento ler diariamente o Estadão, Folha, o Globo e o Valor. Não leio integralmente. Aqui é pelo vídeo, e eu ainda prefiro ter o papel do jornal na mão. Dou uma olhada todos os dias. E leio algumas revistas também, quando chegam aqui… A Veja, a IstoÉ, a Carta Capital.
Blogueiro no site de Nouriel Roubini
Canuto lê regularmente material produzido sobre o Brasil por instituições internacionais. E aceitou um desafio: vai virar blogueiro no site de Nouriel Roubini (Roubini Global Economics Monitor), considerado pela revista The Economist, em 1999, após consulta a dez economistas e cinco jornalistas, o melhor do mundo.
– O Roubini resolveu abrir uma página dedicada à América Latina no blogue dele e convidou uma dúzia de macroeconomistas – eu não sei quem são os outros –, mas me convidou e eu aceitei – conta Canuto. – Vai ser um tremendo desafio, porque voltar a escrever com regularidade, uma vez por semana ou pelo menos uma vez a cada quinze dias… Mas a paixão é tanta que eu adorei (risos), com calafrio, com medo de não cumprir, mas eu vou.
O economista é autor de um estudo muito consistente sobre o etanol (clique aqui para ler “Biofuels and development – the third dividend”; arquivo pdf, em inglês). E explica o “truque” para se manter atualizado:
– No caso do etanol, por exemplo, eu recebo um clipping diário (até aos domingos) que traz todas as notícias publicadas sobre etanol e mudança climática no Brasil. O debate é apaixonado… como tem que ser, também, sei lá… Mas esse debate deixa entrever que, como tudo na vida, não existe nada que seja unidirecional. Tem benefícios e tem riscos. E os artigos mais apaixonados às vezes só realçam os riscos ou só realçam os benefícios. Mas isso é o leitor que tem que balancear. Ou o leitor ou o analista mais distante.
(Transcrição de Tatiane Klein.)