Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dólares na cueca

”Isso está me cheirando mal”, disse o deputado José Nobre Guimarães, líder do PT na Assembléia Legislativa do Ceará e irmão do presidente do partido, José Genoino, ao comentar, segundo o Estadão de hoje, o caso do seu assessor José Adalberto Pereira da Silva, flagrado no Aeroporto de Congonhas com R$ 209 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca.

Nessas horas, o senso de humor é essencial para mitigar a depressão de todos quantos, petistas ou não, torcem para que o circo resista às chamas que lambem cada vez mais furiosamente o toldo dentro do qual se abriga.

O riso pode ser o melhor remédio, mas tem um efeito colateral devastador. O arguto cientista político que citei em outro comentário, que lê jornais com mais atenção do que os seus colegas lêem doutos tratados, acaba de me lembrar que a zombaria costuma fazer com um governo assediado por denúncias o que a indignação nem sempre consegue.

No que a crise “envereda pelo perigoso terreno da galhofa”, como dizia o nunca por demais citado Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do genial cronista Sérgio Porto, inventor do “festival de besteiras que assola o país”, falecido em 1968, o presidente que se segure.

Tomara que do riso não se faça o pranto.

Eu não sei o que dizem as pesquisas encomendadas pelo Planalto. A Veja dá hoje na capa que 55% dos brasileiros acham que Lula sabia das maracutaias. As minhas fontes – frequentadoras de feiras, botecos, farmácias, salões de beleza e outros tantos pontos de formação de opiniões – contam que ali não se fala de outra coisa. Ninguém acusa Lula diretamente, mas a conclusão geral é que “é tudo a mesma coisa”. Tudo, vai sem dizer, inclui sua excelência.

Perguntar não ofende: não foi Lula quem carimbou os partidos, menos o PT, com a expressão “é tudo farinha do mesmo saco”?

Nesse momento gravemente ridículo, ou o contrário, se você preferir, é bom, a propósito, que a imprensa morda a língua para não queimar a boca, dizendo inverdades.Ou dando como fatos incontestáveis o que simplesmente ainda não se sabe.

“Coincidência” sem provas

Foi o que fez o Estado na matéria “Motorista diz que levou US$ 200 mil ao PT goiano”, repercutindo, como se diz nas redações, o furo do Globo de ontem sobre a cabeluda viagem a São Paulo, em 2004, de um funcionário da deputada petista Neyde Aparecida.

A ser verdadeira a matéria do Globo, a deputada foi mais esperta que o assessor do deputado cearense, ou quem o mandou pôr R$ 209 mil numa maleta de mão e esconder na cueca US$ 100 mil. Ela despachou o motorista Wendell Resende de Oliveira para São Paulo de avião e o fez voltar para Goiânia de ônibus: nas rodoviárias, bagagens não passam por aparelhos de raios-X.

Mas veja só o que dá o Estadão de hoje, em texto assinado por Guilherme Evelin e Carlos Marchi: “Nas duas histórias, uma coincidência inquietante: ambos vieram a São Paulo pegar uma encomenda na sede do diretório nacional do PT, no centro de São Paulo”(grifo meu).

Duas vezes São Paulo numa mesma frase não é um primor de escrita, mas deixa para lá. O que eu queria saber é de onde saiu a informação de que também o assessor do irmão de José Genoíno apanhou a “encomenda” na sede do PT?

O assessor não disse isso. A Polícia Federal não disse isso. O ministro da Justiça, que manda na Polícia Federal, não disse isso. O chefe do assessor não disse isso. O irmão do chefe do assessor não disse isso. Pode até ser que daqui a pouco se comprove que foi o que aconteceu realmente. Mas é uma irresponsabilidade cavalar falar em “coincidência inquietante” como se fosse coisa tida e sabida ou sem atribuir a informação a uma fonte.

Ah, dirão os cínicos. Que diferença faz se o goiano apanhou a sua encomenda na sede do PT e o cearense sabe-se lá onde? Para o destino do partido e talvez do seu governo, nenhuma, eventualmente. Para o bom jornalismo, toda, seguramente.

Coisa ruim provada preto no branco já existe mais do que o país merece. Coisa ruim sem prova o país dispensa.

P.S. Parafraseando Nelson Rodrigues, falo, falo e esqueço o essencial. O essencial pode ser o que, segundo o Globo, disse ontem ao telefone o deputado cearense José Nobre Guimarães, ao ouvir do interlocutor que o seu assessor nada dissera à Polícia Federal: ‘Ainda bem.’ O seu irmão, agora já não mais presidente do PT, não merecia passar por mais essa. [17h25 de 9/7]