O jornal O Estado de S.Paulo consumou hoje, com chamada no alto da primeira página e duas páginas inteiras na seção política, um grave erro de filosofia editorial.
O erro consistiu em aceitar que o presidente Lula, o único dos candidatos presidenciais que se recusou a ser entrevistado em público pelo jornal, respondesse por e-mail às perguntas que lhe teriam sido feitas se tivesse comparecido à sabatina.
Chamar isso de ‘entrevista’ é atentar contra o significado jornalístico essencial do termo, que consiste na possibilidade de o entrevistador contestar declarações do entrevistado. Sem o risco de ser confrontado com a réplica, este pode dizer – ou deixar de dizer – o que bem lhe convier, por contundentes que sejam as perguntas do questionário escrito.
Além disso, numa entrevista em tempo real, ainda mais com platéia, o entrevistado tem de falar de bate-pronto, expondo-se a deixar escapar pensamentos ou expressões que ele pode omitir ou corrigir quantas vezes quiser antes de despachar o e-mail com as respostas, sabe-se lá quantas horas ou dias depois de receber as perguntas.
E mais: com toda a probabilidade, o respondedor não é o ‘entrevistado’, mas os seus assessores. O que ele decerto faz é ler e eventualmente mexer nos textos preparados pelo pessoal.
Ao publicar essa contrafação de sabatina, o jornal desserve o leitor, que recebe, em vez de um debate em que os jornalistas atuam como seus representantes, um pasteurizado press-release.
Melhor fizeram o Globo, semana passada, e a Folha, hoje. Sem arreglo com o Planalto, publicaram as perguntas que Lula evitou encarar porque tampouco foi às sabatinas promovidas pelos dois jornais.
O Globo, esfregando sal na ferida, deixou espaços em branco depois de cada indagação. E a Folha deu uma foto de Lula na entrevista a que não se furtou em 2002. A foto mostra um Lula tenso, com a mão na testa. É o jornal sugerindo ao leitor: agora ele não apareceu para não passar de novo por maus bocados como da outra vez.
Pode-se até entender a recusa dos candidatos líderes nas pesquisas de participar de debates com os concorrentes. Indo, eles serviriam apenas de saco de pancada para todos os outros. Pancadas abaixo da linha da cintura, com certeza.
Já a recusa à entrevista é desconsideração pelo eleitor. Assim como a publicação de um simulacro de entrevista é desconsideração pelo leitor. E uma injustiça com os candidatos que deram a cara para bater.
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