Entre mortos e feridos, salvaram-se todos – menos a reputação do Tribunal Superior Eleitoral em geral e a do seu atual presidente, Marco Aurélio Mello, em particular.
Para quem andou hibernando estes dias:
Em 6 de abril, o PL – não se sabe bem por que – perguntou ao TSE se partidos que não apresentassem candidato a presidente da República poderiam se coligar com quem quisessem nas disputas estaduais.
Estranha pergunta. Na eleição de 2002, disputada – como a deste ano – sob o princípio da verticalização, os partidos que formaram coligações para a corrida ao Planalto só puderam formar, juntos ou separadamente, alianças nos Estados com partidos sem candidato presidencial. Ou seja, puderam competir entre si.
Estes permaneceram livres. Assim, por exemplo, o PFL, tendo ficado de fora da eleição presidencial, poderia em tese fechar parcerias, tanto com o PSDB e o PMDB que apoiaram José Serra ao Planalto, quanto com o PT, PSB, PC do B e PL que apoiaram Lula.
Pois bem. O TSE levou exatos dois meses para responder ao PL. Respondeu, por 6 votos a 1 – com o presidente Marco Aurélio Mello puxando a votação da maioria – que o que valeu em 2002 deixaria de valer em 2006, dando uma nova e draconiana interpretação à regra da verticalização.
Estranha resposta. Partidos sem candidato presidencial só poderiam, decidiu a Justiça Eleitoral, coligar-se nos Estados com partidos nas mesmíssimas condições.
O mundo político entrou em polvorosa. O PMDB, que já resolvera não apoiar a reeleição de Lula, apesar da oferta de ficar com a vice na sua chapa, e estava pronto a resolver que não teria candidato próprio – tudo para ficar de mãos livres para apertar as de quaisquer partidos nos Estados – entrou em estado de choque.
O PFL, também bestificado com a decisão do TSE, pensou até em desembarcar da candidatura Alckmin para ter liberdade de movimento nos Estados.
Na quarta e na quinta-feira, pefelistas, tucanos, pemedebistas e outros menos votados foram em romaria ao gabinete do ministro Mello para falar do estrago que a decisão por ele inspirada havia causado – às vésperas da temporada de convenções em que os partidos tomariam as suas posições para as eleições de outubro.
E ontem à noite, enfim, por 7 votos a 0, o TSE deu o dito pelo não dito, ficando tudo como antes no proverbial quartel de Abrantes. Ou, no caso, como em 2002.
Antes assim, mas que raio de tribunal é esse que leva dois meses para decidir de um jeito, quase por unanimidade, e 48 horas depois decide do jeito contrário, por unanimidade?
A resposta, a assombrosa resposta, pode estar na seguinte passagem da principal matéria da Folha de S.Paulo de hoje sobre o assunto:
” A Folha apurou que, quando inovaram a regra da verticalização, os ministros desconheciam o efeito prático da decisão e não imaginavam que ela paralisaria a negociação de alianças, a quatro dias do início do prazo das convenções partidárias.”
De seu lado, Mello tentou fazer do limão uma limonada.
Ficou intragável. Ele disse:
‘Eu parti de um equívoco e dou a mão à palmatória. Isso revela a segurança do julgador e evidentemente atrai a confiança dos jurisdicionados.”
O contrário, meritíssimo, o contrário. Quem leva dois meses para ir numa direção e leva dois dias para dar meia-volta nem revela segurança, muito menos atrai a confiança de quem depende do rumo de seus passos.
Duplo papelão, portanto. Primeiro, fazendo a coisa errada. Segundo, fazendo a coisa certa – não por uma súbita iluminação da verdade, mas por não atinar com as consequências da coisa errada e sob pressão política.
Tudo que os brasileiros precisavam nesse momento era desconfiar de mais uma instituição – e justamente daquela responsável pelo andamento, sem atropelos nem tropeços, do processo que conduz ao rito mais importante da democracia: o voto na urna, livre, secreto, sob regras razoáveis e estáveis.
Pobre país.
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