Aposto que se não fosse a Copa do Mundo, a manchete da Folha de hoje seria “Previdência reduz mais a pobreza que o Bolsa-Família” – título de uma das únicas três chamadas que se espremem no que sobrou da primeira página, dedicada, naturalmente, ao vexame da seleção.
Diz a chamada:
”Estudo do Ipea, órgão do Planejamento, mostra que as aposentadorias e pensões vinculadas ao mínimo contribuíram mais que o Bolsa-Família para reduzir a pobreza no Brasil. Baseado em dados de 2004, o estudo revela que que os benefícios do INSS ligados aos mínimo reduziram os pobres em cinco pontos percentuais. Já o Bolsa-Família contribuiu, junto com os benefícios pagos a idosos e deficientes, com dois pontos.’
Uau, superinteressante, decerto pensaria o leitor que passasse batido pela pegadinha da história – e que a converte numa falsa notícia: a frase “Baseado em dados de 2004…”.
Indo à matéria, que ocupa 2/3 da página de abertura da seção Brasil, só no quarto parágrafo o nesse caso literalmente incauto leitor veria a verdade sobre o caráter acadêmico, no mau sentido figurado, da reportagem:
”É preciso ressalvar contudo que os dados do Ipea são baseados na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004, quando o Bolsa-Família ainda estava sendo estruturado, ao unificar vários programas sociais, e atingia 6,5 milhões de famílias – 59% da população considerada pobre no país. Hoje o programa atinge 11,1 milhões de famílias.’
O que significa obviamente que o Bolsa-Família, atendendo hoje a um contingente 70% maior do que há dois anos, tem também muito mais peso como fator de redução da pobreza.
Ou seja, só com a Pnad de 2006 será possível saber qual a participação do programa enormemente ampliado nesse período no combate à pobreza, em comparação com os benefícios vinculados à variação do salário-mínimo, bancados pela Previdência.
Nisso não vão nem críticas nem elogios à política social do governo. A crítica vai para a idéia de fazer um cavalo de batalha jornalístico a partir de números superados.
Faltou na Folha alguém com poder de decisão que, ao receber o texto, reagisse com a clássica pergunta que antecede a derrubada de reportagens que prometem ouro e entregam pirita:
”E daí? Cadê a matéria?”
A resposta, no quinto parágrafo do texto, é que o estudo do Ipea, ‘de todo modo‘ faz uma análise inédita do tema.
Muito bem, palmas para o instituto. Mas dar a essa análise inédita – e defasada – estatura de materião é dar uma pseudonotícia. O que não é propriamente inédito na mídia.
P.S. Da série “Meno male”
De vez em quando o New York Times publica, sob o chapéu “Editorial observer”, uma mistura de reportagem, análise e editorial assinado. O de hoje, de autoria de Tina Rosenberg, fala do “longo, duro caminho do jornalismo investigativo na América Latina”, como diz o título.
O texto trata da coleção de desgraças que caem sobre a cabeça de repórteres, editores e publishers que ousam garimpar verdades que não interessam aos podres poderes.
Cita casos da Colômbia, Paraguai, Argentina, México, Venezuela, Peru…
Então o que é que leva jeito de ser menos mal?
O fato de o Brasil não constar da lista negra de países latino-americanos onde, conforme o texto, “jornalistas que investigam corrupção, tráfico de drogas e outros crimes de grande calado são rotineiramente assassinados”.
Para ler o artigo do Times, clique aqui.
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