Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

E depois de saírem os “errados”?

Num pé de página da ediição de hoje, o Estado cita o terceiro vice do PT, Valter Pomar, da ala esquerda do partido. “O PT não é corrupto”, diz ele. “Partido corrupto é aquele em que você tira os corruptos e o partido acaba. No PT, se você tirar pessoas que cometeram erros, ele melhora.”

À parte a não tão sutil distinção entre “corruptos”, do lado de lá, e “pessoas que cometeram erros”, do lado de cá, Pomar tocou, talvez sem querer, em uma das duas questões de 64 mil dólares, como se dizia antigamente, nascidas da crise da corrupção.

A primeira está na boca da mídia e do povo político: Lula sabia? A Veja desta semana banca o sim, no caso do mensalão. O Estadão de hoje sustenta que Lula não quis saber. O tempo dirá – tomara.

A segunda questão levantada por Pomar é a do futuro do PT. Será que, para o partido “melhorar”, bastará cortar as cabeças dos que erraram?

Tenho diante de mim, na tela da TV, um dos supostos errados, o ex-secretário petista Silvio Pereira. Ele está depondo, por assim dizer, na CPI dos Correios.

Por assim dizer, porque parece um mudo falante, munido de um providencial habeas-corpus preventivo: emite sons e não diz nada: de nada sabe, de nada se lembra. Nem de fatos que constam em documentos que contêm a sua assinatura. Perto disso, memória seletiva é pinto.

”Ética bolchevista”

Imaginem então. Puf, e Sílvio Pereira se evapora. Puf, e lá se vai Delúbio Soares. Puf, e José Dirceu fica encantado.

Surge das cinzas então um novo PT, banhado nas águas purificadoras do Jordão ou, se quiserem, ressurge o velho PT, aquele anterior ao que viria a praticar a “ética bolchevista” de que fala o novo presidente do partido, Tarso Genro, em entrevista ao Valor de hoje.

Para quem não leu: Tarso, citando Trotsky, define “ética bolchevista” como aquela que parte do princípio de que existem duas morais: “a nossa e a deles”. Na primeira, vale tudo pela causa do povo. Na segunda, vale tudo para desfrute pessoal.

Tarso, como não poderia deixar de ser, diz que “determinados dirigentes, em determinados momentos”, nunca o partido, muito menos sempre, “aplicaram de maneira equivocada” a ética bolchevista que nega a existência de “parâmetros éticos universais”.

Pena que o repórter que o entrevistava não lhe perguntou qual seria a maneira não equivocada de aplicar a ética bolchevista. Mas passemos.

O ponto é que, fora do PT, não são poucos os que acham que a organização padece de um vício absolutista de origem e que dele dificilmente se livrará, mesmo depois de se livrar de determinados dirigentes.

Quantos dos que pedem a cabeça de Delúbio, segue o argumento, não se imaginam, eles próprios, “representantes do bem absoluto” (para citar de novo Tarso Genro)?

Quantos dos companheiros inscritos para inquirir o ex-secretário Silvinho, eventualmente donatários de recursos do caixa 2, não agem como se investidos daquela condição?

Dependendo de quem as faça, essas perguntas não são estocadas políticas nem exercícios retóricos. Pois, se as respostas forem positivas, escassas serão as chances de o PT se reinventar como o grande partido de esquerda de que o país necessita, sem tornar a recorrer aos mesmos instrumentos de tomada e permanência no poder que não se cansava de apedrejar nos seus tempos de oposição.

O carma do PT é que não pode ser igual aos outros, para não se desmoralizar, mas não pode querer ser tão diferente deles, pois, nesse caso, estará praticamente abdicando de ganhar grandes eleições e, mais ainda, de governar.