Vale por um bifão o comentário do diretor de programação da MTV, Zico Goes, ao revelar à Folha que a emissora recebeu mais de 50 mil mensagens de protesto contra a apresentadora Daniela Cicarelli depois do bloqueio do YouTube:
‘Isso é mais uma gritaria juvenil porque um brinquedo foi tirado do que um sentimento contra a censura‘.
A palavra-chave, naturalmente, é ‘brinquedo’.
Vai um abismo entre o uso da web como divertimento, sob qualquer de suas múltiplas formas, ao gosto de cada qual, mas quase sempre com doses cavalares de narcisismo, e como instrumento de democratização da informação e do debate público sobre questões de interesse coletivo.
O abismo é conceitual e quantitativo. Para cada upload que se enquadre nessa segunda categoria, há ‘inhentos’ da outra.
Tudo bem. A vida é assim. Mais de meio século atrás, quando a televisão começou a ser nos Estados Unidos o que viria a ser no mundo inteiro, não faltou quem dissesse que o novo meio daria um impulso colossal à educação do povo americano, levando milhões de jovens e adultos a bater às portas das escolas superiores para saber mais.
Bobagem, comentou o sociólogo Seymour Martin Lipset, especialista em comunicação de massa. A preferência geral será pela Columbia Broadcasting System, a CBS, nunca pela Universidade Columbia.
Então que se divirtam. Mas não venham mistificar as coisas. Nem dar ao que fazem uma grandeza revolucionária. Aliás, o desonesto perfeito é aquele que, antes de enganar os outros, se engana a si mesmo – o que parece ser o caso dos que atribuem às novas mídias atributos que rebaixariam definitivamente para a terceira divisão a velha mídia impressa – vide a revista Time que escolheu o internauta da segunda geração (o da tal web 2.0) a Pessoa do Ano de 2006.
P.S. Diversos leitores observaram que Daniela e o seu namorado não têm autoridade moral para pedir a supressão das cenas de sua transa no YouTube porque fizeram o que fizeram em público. Alguns chegaram a sugerir que eles é que deveriam ter sido processados na Espanha por atentado ao pudor.
O ponto me parece outro: com moral ou sem, trata-se do direito que os assiste de invocar o princípio da invasão de privacidade e do fato de um juiz ter lhes dado ganho de causa.
Houve também quem argumentasse que se está diante de um caso típico de conflito de direitos: o direito à privacidade e o direito à informação. Penso que não é bem assim. A única situação em que cabe considerar informativas as imagens de um casal transando é uma aula de educação sexual.
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