O problema existe desde que saiu a primeira carta de leitor num jornal – quem sabe no Times de Londres.
É quando o leitor manda a sua opinião sobre o que seja, baseado numa meia-verdade ou numa falsidade inteira.
Na blogosfera – confesso que tenho uma pinimba danada com esse nome, mas deixa para lá – isso acontece com a regularidade das noites que se seguem aos dias.
Até porque o meio estimula os seus frequentadores a atirar primeiro e checar depois.
Para os editores conscienciosos, quando entendem do assunto da carta o suficiente para distinguir fato de fantasia, é uma dor de cabeça. [Quando não entendem, aí não tem jeito.]
A dor aumentará se eles estiverem atentos para os efeitos, no jornalismo, da grande verdade enunciada pelo ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, que era um fanático monstruoso, mas de burro não tinha nada.
“Uma mentira sucessivamente repetida”, dizia ele, no que viria a ser o mais famoso de seus ditos, “vira verdade”.
Fazer o quê, então?
Publicar a mensagem com erro e tudo, em respeito ao remetente e em prejuízo dos demais leitores eventualmente incautos?
Ou comunicar ao remetente que o seu argumento tem pés de barro, por isso o seu texto não será publicado na versão original?
Ou, considerando a mão de obra que isso daria – sem falar nas chateações que podem advir, se o leitor, além de errado, achar que está certo – simplesmente despachar a mensagem para o arquivo morto?
Ou ainda, expurgar do comentário a inverdade e manter o resto? Mas como, se o resto se baseia na inverdade?
Ou enfim, o que não se aplica à imprensa escrita, mas a sites e blogues, publicar a batatada e acrescentar uma nota esclarecedora?
Para sair do terreno das abstrações, eis um exemplo recém-saído das oficinas.
O Estado de hoje publica a carta do leitor Oswaldo Baptista Pereira Filho, de Campinas. Ele elogia o jornal pelo editorial do dia 20 contra a criação da TV pública brasileira, mas faz um reparo.
‘O brilhante editorial esqueceu um detalhe importante: na Inglaterra [a TV pública] é mantida por assinantes e, se eles não a patrocinarem, fecha.’
E arremata: ‘Diferentemente da nossa TV pública que está sendo criada para empregar os companheiros e florear toda a corrupção do governo Lula.’
Descontado o xingatório que não esperou nem a emissora revelar, ao vivo e em cores, com quem e a que veio -, é falso o que o leitor escreveu sobre a Inglaterra.
Ali a TV pública não é mantida por assinantes que podem deixar de patrociná-la se não gostarem do que ela mostra.
Por lei – que originalmente se aplicava a aparelhos de rádio, porque aquela era a sua era – o cidadão britânico de hoje, se tiver um televisor, pagará um imposto anual que serve para cacifar a BBC. Mesmo que não a sintonize. Mesmo que a abomine.
Não tem conversa. Comprou um receptor em cores, morre com
Agora, quantos dos leitores do Estadão sabem disso? E quantos, na inocência do seu desconhecimento, não sairão dizendo que é aquilo mesmo que o outro escreveu? Que a TV pública brasileira deveria ser custeada pelos eventuais assinantes, “como na Inglaterra”.